A história da radiodifusão brasileira está intimamente ligada aos interesses políticos com fortes raízes familiares. Do surgimento do rádio e seu papel para a política de integração nacional na ditadura do Estado Novo, na era Vargas, passando pelas concessões de rádio e TVs usadas como moeda de troca na gestão de José Sarney como presidente, chegamos ao boom dos políticos proprietários de mídias em um contexto de enfraquecimento da democracia decorrente dos esquemas operados por esses atores.

O número de políticos proprietários ou envolvidos com propriedades familiares de mídias cresce a cada eleição. Em 2022, 45 candidatos representam esse setor: são 18 candidatos a deputado federal, 13 a deputado estadual, 6 ao Senado e 1 a suplência do Senado, 5 ao cargo de governador e 2 de vice-governador. Das candidaturas analisadas, mais da metade são homens (38), brancos (33) e milionários (33). O artigo completo, com a análise aprofundada dos dados, está disponível no especial “Eleições 2022: a mídia como palanque“, publicado em parceria com o Le Monde Diplomatique Brasil.

Confira os dados em gráficos:

As candidaturas não são novas no cenário político e foram mapeadas pelo levantamento Donos da Mídia com base nos registros no TSE das candidaturas de 14 estados brasileiros (BA, PB, PE, CE, PI, AM, PA, RR, MT, MG, ES, SP, RJ e PR) e Distrito Federal, cruzados com as propriedades de mídias das 10 maiores cidades, em número de habitantes, de cada estado. Esse é um projeto realizado pelo coletivo Intervozes a cada ano eleitoral. No levantamento de 2018, foram identificados 34 candidatos donos de mídia em 10 estados e no Distrito Federal.

Mesmo sendo ilegal que deputados federais e senadores tenham propriedades de rádio e TV, de acordo com o art. 54 da Constituição Federal, por motivo dos empreendimentos explorarem concessões públicas sujeitas a conflitos de interesses ao serem geridos por agentes públicos, políticos apostam na seletividade do um sistema de justiça que insiste em pender a balança para o capital econômico quando o assunto é comunicação.

“A história da radiodifusão brasileira é marcada pela concentração nas propriedades de mídia. São famílias de tradição colonial, que gerem canais de rádio e TV de Norte a Sul do país e usam as comunicações para fortalecer sua influência na política nacional, silenciando opositores, espalhando fake news e impedindo a diversidade de vozes em um nítido ataque à democracia”, destaca Tâmara Terso, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenadora da pesquisa ao lado de Olívia Bandeira, coordenadora executiva de Pesquisa, Formação e Incidência Internacional do coletivo. 

Em 2015, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), com o apoio do Intervozes, denunciou na justiça a concentração de mídia nas mãos de políticos. Através de um pedido de Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 379, no Supremo Tribunal Federal (STF), as organizações solicitam, entre outras coisas, que o art. 54 da Constituição seja cumprido através do cancelamento das outorgas de rádio e TV em poder dos políticos e seus familiares, além do impedimento de posse dos candidatos eleitos à Câmara Federal caso sejam proprietários ou tenham ligação com propriedades de radiodifusão.

As ações na Justiça já surtiram efeitos. Em 2018, o deputado federal Antônio Carlos Martins de Bulhões (Republicanos) teve a concessão da Rádio Metropolitana Santista LTDA, de sua propriedade, cassada pela Justiça Federal. A decisão foi confirmada em segunda instância, em 2021. Também em São Paulo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em decisão colegiada, indeferiu os recursos apresentados pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) e manteve a decisão que cancela as outorgas das rádios Show de Igarapava e Rádio AM Show, de propriedade do político. Em Alagoas, o senador Fernando Collor de Mello, proprietário da TV Gazeta de Alagoas LTDA (afiliada à Rede Globo), da Rádio Clube de Alagoas LTDA e da Rádio Gazeta de Alagoas LTDA, teve suas concessões canceladas pela Justiça Federal, mas as empresas seguem prestando o serviço até o trânsito em julgado da ação. 

A pesquisa

O levantamento faz parte do projeto Mídia Sem Violações de Direitos, uma iniciativa permanente do coletivo Intervozes. Os dados foram coletados a partir de um trabalho coletivo que envolveu a colaboração de Tâmara Terso, Jonaire Mendonça, Iago Vernek, Iury Batistta, Mabel Dias, Nataly Queiroz, Paulo Victor Melo, Raquel Baster e Sheley Gomes. Também colaboraram Gabriel Veras da Abaré (AM) e Lidiane Barros, da Mídia Ninja (MT).

As análises, divididas em três artigos, estão sendo publicadas em parceria com o Le Monde Diplomatique Brasil no especial “Eleições 2022: a mídia como palanque”. 

Os dados foram divulgados nessa terça-feira (27), em live realizada pelo Instagram do Intervozes. Participaram do debate a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e integrante do PEIC (Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação), Janaine Aires; o procurador do Ministério Público Federal na Paraíba, José Godoy; e a coordenadora da pesquisa, Tâmara Terso.

Observação: Entre os 45 candidatos mapeados, três não são concessionários de radiodifusão: Fabrício Fortaleza, do Piauí, e Flávia Francischini e Felipe Francischini, do Paraná. No entanto, os políticos foram incluídos no levantamento por serem sócios e proprietários de empresas do setor da comunicação. Ainda que a posse de agências de comunicação não configure como infração ao artigo 54 Constituição Federal, ela aponta para as relações de influência entre o sistema político e os sistemas de comunicação.