Em pelo menos quatro países latino-americanos – Brasil, Chile, Colômbia e México – a neutralidade da rede tem sido sistematicamente violada. A principal forma de violação são os planos de tarifa-zero. É isso que mostra o relatório “Neutralidade de rede na América Latina: regulamentação, aplicação da lei e perspectivas – os casos do Chile, Colômbia, Brasil e México”, realizado por organizações desses países, que se dedicaram a mapear os avanços e desafios da implementação da neutralidade de rede nesses países.

Neutralidade de rede é um conceito consagrado mundialmente para designar o princípio segundo o qual todos os dados ou conjunto de dados devem ser tratados de forma isonômica na rede: ou seja, sem distinção de origem, destino, conteúdo, aplicação. Qualquer interferência no livre trânsito de dados, aumentando a velocidade de acesso a determinados sites ou aplicativos, por exemplo, caracteriza violação da neutralidade.

Apoiada pela Access Now, a pesquisa foi coordenada pelas organizações Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, do Brasil, e Derechos Digitales, do Chile. Participaram também a Fundación Karisma, da Colômbia, e R3D, do México.

“É fácil entender a questão da neutralidade quando a gente pensa que a rede seria uma estrada de livre trânsito por onde circulam conteúdos, aplicações e etc. Colocar pedágios, barreiras ou ainda, ampliar faixas de acesso exclusivas para determinados ‘veículos’ cria condições de privilégio para uns e exclusão para outros, o que abre uma prerrogativa perigosa tanto do ponto de vista da democracia e da liberdade de quem navega quanto da concorrência comercial”, explica Oona Castro, pesquisadora do Intervozes.

O relatório aponta que essa violação pode fazer com que usuários deixem de acessar conteúdo de aplicações que não são oferecidas gratuitamente. Assim, inovações de projetos menores podem enfrentar dificuldades para entrar no mercado e conquistarem audiência e os usos da internet acabam ficando restritos a determinadas aplicações ou site.

Apesar dos esforços de regulamentação nesses países, violações da neutralidade da rede vêm ocorrendo sistematicamente. Práticas corriqueiras das operadoras de telefonia estão colocando em xeque esse princípio.

Zero Rating

A pesquisa mostra que a forma mais recorrente de violação são os planos de tarifa zero, que dão tratamento diferenciado a pacotes de dados de determinados provedores de conteúdo e de aplicação. Os órgãos reguladores e fiscalizadores do Chile e da Colômbia autorizaram explicitamente pacotes e promoções deste tipo – embora textualmente determinem que os pacotes de dados não sejam discriminados. No Brasil, apesar de o Marco Civil da Internet e seu decreto regulamentador determinarem explicitamente a proibição de práticas anticoncorrenciais, planos de tarifa zero são comumente encontrados com “promoções” que incluem acesso “gratuito” a aplicativos de mensagens instantâneas como o whatsapp, por exemplo. No México, o estágio de regulamentação é menos avançado e não há legislação que se detenha sobre o tema.

Na maioria dos casos, os instrumentos normativos são contraditórios e confusos: estabelecem formalmente a garantia da neutralidade de rede, mas na prática adotam exceções que jogam por terra o princípio, além de não estabelecerem claramente como se dará a fiscalização, quais são os procedimentos de denúncias, e quais são as punições previstas.

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