ONG internacional defende revisão do marco legal da radiodifusão entre as “obrigações positivas e concretas” do Estado para garantir a liberdade de expressão.

A organização não-governamental Artigo 19, que trabalha pela promoção e defesa do direito à liberdade de expressão em vários países do mundo, divulgou nota pública de apoio à iniciativa de realização de audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados para apreciar os processos de concessão e de renovação de outorgas de serviço de radiodifusão. A audiência foi convocada pela comissão após solicitação de entidades da sociedade civil.

Na nota, a Artigo 19 aponta como “tarefa necessária e urgente” a revisão do marco legal da radiodifusão. Segundo a organização, a garantia da liberdade de expressão implica não apenas em uma obrigação negativa por parte do Estado no sentido de eximir- se de diretamente violar tal liberdade (abstendo-se de práticas como atos de violência contra a imprensa e censura), mas também obrigações positivas e concretas, entre as quais a regulamentação da radiodifusão”.

A ONG defende alguns princípios e objetivos para esta revisão, entre eles que todo o processo se dê com participação cidadã, que seja criado um órgão regulador independente e que se estabeleça condições para que haja um equilíbrio entre a participação das emissoras privadas, públicas e comunitárias no sistema de radiodifusão.

Por fim, a Artigo 19 enfatiza que, antes mesmo desta renovação dos marcos legais, é necessário que se garanta a “efetiva observância e aplicação das disposições legais já existentes relativas ao serviço público de radiodifusão, em especial em relação à concentração da propriedade, diversidade regional de conteúdo, restrições à propriedade / direção por detentores de cargos públicos e respeito aos demais direitos humanos ”.

A audiência pública, realizada na manhã do dia 27 de novembro, foi motivada pela chegada à Câmara dos Deputados dos processos de renovação de outorgas das empresas controladoras das redes Globo, Record e Bandeirantes.

Veja a íntegra da nota da Artigo 19:

NOTA DE APOIO

A ARTIGO 19 saúda a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados pela primeira audiência pública realizada no país para discussão das normas de procedimento e atos relativos à renovação de concessões de serviços públicos de radiodifusão.

Entendemos que, assim como aponta o relatório da Subcomissão Especial de Outorgas de Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens, de relatoria da Deputada Maria do Carmo Lara, a revisão do marco regulatório nacional e das práticas institucionais no âmbito da radiodifusão é tarefa necessária e urgente. A existência no Brasil de um número excessivo de normas setoriais esparsas, algumas das quais ultrapassadas e por vezes aparentemente contraditórias, cria um contexto de incerteza jurídica que em nada contribui para a consolidação da liberdade de expressão no país.

A liberdade de expressão é direito humano essencial em um Estado democrático, e é garantida como fundamental em nossa Constituição e nos compromissos internacionais assumidos pelo país. Este direito, porém, só pode existir em um ambiente no qual uma mídia diversa e plural tenha condições de florescer. Neste sentido, a garantia da liberdade de expressão implica não apenas em uma obrigação negativa por parte do Estado no sentido de eximir-se de diretamente violar tal liberdade (abstendo-se de práticas como atos de violência contra a imprensa e censura), mas também obrigações positivas e concretas, entre as quais a regulamentação da radiodifusão.

Esta regulamentação deve ser criteriosamente debatida, aprovada e aplicada em prol do interesse público e deve prevenir, ao mesmo tempo, seu uso para o exercício de controle governamental e a submissão da radiodifusão a interesses políticos e comerciais.

A regulamentação da radiodifusão, portanto, não só é legítima, como é necessária para a concretização do direito à liberdade de expressão e deve garantir a diversidade e o pluralismo dos meios de comunicação, no que toca à propriedade, tipos de mídia e conteúdo.

Apoiamos, assim, uma revisão legislativa que vise:

– à criação de tal regulamentação de forma participativa e aberta, com vistas a otimizar o uso do espectro de freqüências e garantir o acesso à ele de maneira a assegurar a máxima diversidade e a multiplicidade de vozes, pontos de vista e linguagens;
– ao estabelecimento de um órgão regulador independente para o setor;
– à definição de critérios claros e substantivos para a concessão e renovação de outorgas e licenças na área;
– ao estabelecimento de um procedimento de concessão mais transparente, participativo e ágil;
– ao aprimoramento dos mecanismos de fiscalização de tal regulamentação;
– à definição de medidas concretas que levem ao estabelecimento de um sistema de radiodifusão composto não apenas por um forte setor comercial, mas com a presença igualmente forte da radiodifusão pública e comunitária.

Enfatizamos, enquanto uma nova regulamentação não é aprovada, a necessidade de efetiva observância e aplicação das disposições legais já existentes relativas ao serviço público de radiodifusão, em especial em relação à concentração da propriedade, diversidade regional de conteúdo, restrições à propriedade / direção por detentores de cargos públicos e respeito aos demais direitos humanos. Desde já a transparência nos processos de outorga e renovação deve ser adotada como prática, inclusive com a publicação do andamento dos processos em trâmite e respectivos contratos públicos.

Apoiamos a participação dos representantes da sociedade civil presentes à audiência e reafirmamos nossa posição em prol do estabelecimento de um fórum plural para debate desta pauta, com a realização de uma conferência nacional de comunicações.

ARTIGO 19 BRASIL