Durante a realização do XI Fórum de Governança da Internet, em dezembro, no México, dezenas de organizações, de mais de 20 países, lançaram um manifesto para chamar a atenção da comunidade internacional para os riscos que a internet livre sofre atualmente no Brasil. O encontro reuniu mais de dois mil representantes de governos, organizações da sociedade civil, pesquisadores e empresas da área de tecnologia da informação e da comunicação.

O documento, lido durante o encerramento do Fórum, também manifestou apoio às ações de resistência que tem sido desenvolvidas pela Coalizão Direitos na Rede – da qual o Intervozes participa. Na ocasião, o membro do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, que lá representava o governo federal, pediu a palavra para questionar a manifestação das entidades. Benedito Fonseca Filho disse “estranhar” a posição da sociedade civil brasileira em levar um assunto como este para um fórum internacional, considerando que o país vive uma “plena democracia” e que há espaço para diálogo com as entidades. A reação do Itamaraty revela o desconforto da gestão Temer com mais uma denúncia internacional e a feição autoritária contra críticas da sociedade civil.

Leia abaixo a íntegra do texto (disponível em inglês aqui)

 

MANIFESTO DE GUADALAJARA PELOS DIREITOS E GOVERNANÇA DA INTERNET NO BRASIL

Nós, representantes de organizações da sociedade civil de todo o mundo presentes no 11º Fórum de Governança da Internet em Guadalajara, México, nos unimos para expressar nossa preocupação com as mudanças de políticas relacionadas ao acesso, governança e uso da Internet que têm ocorrido no Brasil este ano.

Desde a primeira Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI/WSIS), em 2003, os defensores dos direitos digitais brasileiros têm participado ativamente do debate sobre governança da Internet, pressionando por mais participação e proteção dos direitos humanos no ambiente digital. O Brasil é o único país que acolheu duas edições do IGF (2007 e 2015), mostrando seu apoio à discussão aberta e multissetorial. É lamentável que, no IGF de 2016, a participação do governo brasileiro seja bastante restrita. O país que tem sido um exemplo está agora em risco de enfraquecer suas mais valiosas instituições dedicadas à governança da Internet: o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e a lei inovadora aprovada em 2014, o Marco Civil da Internet, ou MCI.

O MCI foi resultado de um longo e democrático processo participativo que teve como objetivo a criação de direitos fundamentais para o uso da Internet. A lei centrou-se na democratização do acesso à Internet, neutralidade da rede, liberdade de expressão, proteção dos dados pessoais e da privacidade. Baseou-se nos 10 Princípios para a Governança e Uso da Internet, promulgados pelo CGI.br em 2009, em um contexto de governança multissetorial.

Devido às recentes mudanças políticas no país, a Internet aberta como a conhecemos está agora em risco. O atual governo, em uma transição de poder questionável, tem sido refratário ao debate democrático, apoiando um corpo conservador de representantes do Congresso que procura agir contra o que o MCI garante em termos de proteção dos direitos fundamentais na Internet. Agora o Congresso está prestes a aprovar uma lei que representará um sério revés nas políticas de telecomunicações e resultará na perda da soberania do Estado sobre as redes de telecomunicações, comprometendo o propósito estabelecido pelo MCI de acesso universal e inclusão digital.

Além disso, o governo federal anunciou que não desenvolverá políticas de acesso à Internet de banda larga e que “o mercado deve promover a expansão por conta própria”. Esse novo paradigma de governança vai contra o atual quadro legal e regulatório do país, que reconhece o papel fundamental do Estado na universalização e democratização do acesso e do conhecimento.

Neste contexto, o governo, em conjunto com a Agência Nacional de Telecomunicações, tem sido permissivo em relação a práticas comerciais discriminatórias, como permitir novos planos com limites de dados, bem como acordos anticoncorrenciais entre grandes provedores de acesso e grandes plataformas de serviços online.

Desde 2015, foram apresentadas mais de duzentas propostas de alterações ao MCI. Muitas delas enfraquecem princípios e direitos fundamentais como a neutralidade da rede, a não responsabilização dos intermediários no provimento de serviços de rede, a proteção de dados pessoais, a privacidade e a liberdade de expressão. Empurrando estas emendas propostas à lei são lobistas de forças políticas conservadoras e autoritárias assim como indústrias cujos interesses privados conflitam com o interesse público.

Agora, em 2016, assistimos a ações políticas do Poder Executivo que ameaçam a governança multissetorial da Internet, mais especificamente o CGI.br. Os representantes do governo declararam abertamente que pretendem rever a representatividade e participação da sociedade civil na comissão.

Vimos também decisões judiciais que determinam a remoção de aplicativos como o WhatsApp, quando a empresa é incapaz de fornecer dados e conteúdo sobre as pessoas investigadas pela polícia ou autoridades de investigação devido ao uso de criptografia. Várias ações judiciais relacionadas a tais derrubadas estão agora pendentes perante o Supremo Tribunal Federal.

Estamos cientes de que a premiada coalizão brasileira chamada “Direitos na Rede” está lutando contra todas essas políticas, legais e regulatórias, e as mudanças que ameaçam os direitos civis. Desejamos conscientizar o mundo sobre estes retrocessos e declarar nosso apoio à Coalizão Direitos na Rede.

Também solicitamos ao governo brasileiro que tome medidas imediatas contra essas tentativas de limitar os direitos e princípios da Internet. Exortamos o governo brasileiro a promover, em vez disso, um ecossistema de Internet vibrante, onde a inclusão digital, os direitos humanos e a governabilidade democrática estejam entre suas mais altas prioridades.

Guadalajara, 5 de dezembro de 2016.

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