No último dia 12 de fevereiro, entidades da sociedade civil, dentre elas o Intervozes, parlamentares e movimentos sociais, participaram de ato, no Congresso Nacional, em defesa da criação da Frente Parlamentar em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular. Cerca de 150 pessoas passaram pelo ato, sendo mais de 50 parlamentares da Câmara e do Senado, que já assinaram pela criação da Frente. Durante o ato, Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, defendeu que a liberdade de expressão e o direito à comunicação encontram-se sob atraque no Brasil por meio de inciativas que buscam cercear o direito ao protesto, diminuir o acesso dos cidadãos às informações públicas e ainda controlar as organizações da sociedade civil. Bia Barbosa denunciou ainda os ataques à autonomia e ao caráter público da Empresa Brasil de Comunicação.

Leia abaixo a carta lançada por entidades da sociedade civil em defesa da criação da Frente:

Carta da Sociedade Civil ao Congresso Nacional

 

– Quem estará ao seu lado no fronte de batalha?

– E isso importa?

– Mais do que a própria guerra.”

(Ernest Hemingway)

 

Diante das concretas ameaças de retrocesso nos pilares democráticos e na garantia dos direitos humanos em nosso país, as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais abaixo assinados entendem que o momento político requer a imediata formação de uma Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos.

A formação de uma Frente com tal caráter, se entende, teria papel de resistência mas também de proposições para o fortalecimento e aprimoramento da nossa jovem democracia brasileira.

Nossa história,  marcada por conquistas e pela defesa incondicional dos direitos humanos, dentro e fora do Congresso Nacional, faz com que nos preocupemos sobremaneira com medidas recém-adotadas pelo novo governo, como limitações impostas aos movimentos que trabalham com o direito à terra e à moradia, restrições indevidas ao direito ao protesto e à livre manifestação e expressão e tentativas de criminalização de ativistas, além do discurso moralista e punitivista, que sinaliza para um endurecimento na legislação penal e a retirada de direitos fundamentais. Numa lógica de reforçar os históricos processos de desinformação, o governo se vale do desconhecimento de grande parte da população para, muitas vezes, desvirtuar o debate sobre o que realmente significam os direitos humanos, conceituando-o como sinônimo de impunidade e injustiça.

A edição da Medida Provisória nº 870, já no primeiro dia do novo governo, criou a possibilidade de monitoramento e controle das atividades das ONGs e Organismos Internacionais pela Secretaria do Governo, afrontando dispositivos constitucionais. A medida, que cria uma categoria jurídica até então inexistente em nosso ordenamento jurídico, pode ser instrumento para “acabar como todo ativismo”[1], como declarado pelo Presidente da República ainda durante a campanha eleitoral, criando mecanismos para a desarticulação e enfraquecimento das organizações da sociedade civil e movimentos sociais, os principais atores de significativas mudanças sociais nas últimas décadas.

O impacto de tal medida será sentido sobretudo por organizações e movimentos que atuam nos territórios, na defesa de direitos indígenas e quilombolas, e por aqueles que defendem a diversidade e as liberdades individuais.

No caso dos primeiros, a luta será enfraquecida pela decisão do governo de transferir a função da demarcação de terras para o Ministério da Agricultura, criando uma brecha significativa para que seus territórios, inclusive os que estão no sensível bioma da Amazônia, sejam disponibilizados à exploração predatória do agronegócio e de grandes mineradoras nacionais e estrangeiras.

Já o cenário de intolerância e discriminação foi potencializado  pelas reformas estruturais nos órgãos internos do Estado, como as mudanças realizadas no Ministério dos Direitos Humanos, a retirada do ar de material exclusivo sobre saúde de homens transgêneros, os discursos que ferem a dignidade de mulheres e populações originárias e negra e a retirada do Brasil do Pacto Global de Migração – todas medidas que corroboram para a afronta da humanidade de todas as pessoas que não ocupam majoritariamente os espaços de poder.

Via decreto e sem levar em conta o consenso científico nacional e internacional que associa o aumento da circulação de armas de fogo ao aumento da violência letal, o presidente da República também  alterou as regras que regulamentam a posse de armas no país. O instrumento do decreto utilizado é preocupante,  considerando a profunda modificação causada em matéria amplamente discutida no Congresso, locus adequado para as discussões das propostas de reforma sobre o tema – que já estão sendo debatidas há anos com a sociedade. Há anos o Brasil tem consolidada uma política nacional de controle de armas de fogo e munições, que teve o efeito inequívoco de frear a escalada da taxa de homicídios no país. Agora, sob o argumento falacioso do “direito de defesa”, o governo atribui implicitamente ao cidadão comum uma responsabilidade que é do Estado. Age ainda de forma irresponsável em relação à integridade física e ao direito à vida de grupos já vulneráveis, como as mulheres em situação de violência doméstica.

Tais preocupações aumentam à luz das perspectivas de criminalização de movimentos sociais colocadas  em diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Após um período eleitoral marcado por discursos de criminalização de movimentos tradicionais como o MST e o MTST, comparados a grupos terroristas, é fundamental lembrar: a perseguição por via da criminalização é estratégia conhecida de governos autoritários para enfraquecer oposições,  resistências e, por conseguinte, a própria experiência democrática.

Juntos, afirmamos que uma sociedade civil plural, ativa e diversa é um dos indicadores de uma democracia vibrante, que sabe lidar com o dissenso, com a disputa de ideias e a luta por ampliação de direitos. Com a certeza de que a democracia é o regime político que queremos garantir, aperfeiçoar e fortalecer, conclamamos os parlamentares da nova legislatura e se somarem na criação de uma Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos.

 

Brasília, 05de fevereiro de 2019.

ABGLT

Ação Educativa

Aliança Nacional LGBTI

Artigo 19

ABRA – Associação Brasileira Pela Reforma Agrária

Abong.

ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

Associação dos Advogados Públicos pela Democracia

BH em Ciclo – Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte

Cimi – Conselho Indigenista Missionário

COESUS Coalizão Não Fracking Brasil

CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas

Ciclovida – Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza

Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo

Conectas Direitos Humanos

Coletivo Conviva Diferente

Desvelocidades.red

EDUCAFRO – Educação e cidadania de afrodescendentes e carentes

Fundação Avina

Geledés – Instituto da Mulher Negra.

IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa

IMDH – instituto de Migração e Direitos Humanos.

INESC – Instituto de Estudos Socioeconômico

Instituto Ethos

INSTITUTO INTERNACIONAL ARAYARA

ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

ISA – Instituto Socioambiental

Instituto Sou da Paz

Justiça Global

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

Missão Paz São Paulo

Movimento pela soberania popular na mineração.

Movimento Nossa BH

MST – Movimento Sem Terra

Pastoral Popular Luterana

PROLEG – Promotoras Legais de Santo André

Rede de Feministas Juristas DeFemDe

Rede GTA

RJC – Rede Justiça Criminal

SJMR – Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados

SMDH – Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

Terra de Direitos

UNEAFRO – Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular

#MeRepresenta

350.org
350.org Brasil

 

Adesões posteriores:

Articulação para o Monitoramento de DHs

Associação Brasileira de Economistas pela Democracia – ABED

Cáritas Brasileira

CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil

FLD – Fundação Luterana de Diaconia

FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Fórum Permanente de Igualdade Racial – FOPIR

Fundo Luterano de Diaconia

Frente de Mulheres Negras do DF e entorno

Grupo Candango de Criminologia GcCrim-Unb

IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade

MNDH  – Movimento Nacional dos Direitos Humanos

Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político

Visão Mundial

 

[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/bolsonaro-diz-que-pretende-acabar-com-ativismo-ambiental-xiita-se-for-presidente.shtml