Em nota publicada nesta quarta (14) e apoiada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública manifestou o seu repúdio ao episódio de autopromoção do presidente Jair Bolsonaro durante a transmissão do jogo da seleção brasileira, feita pela TV Brasil, na terça (13).

“O presidente Jair Bolsonaro vem destruindo, dia a dia, os princípios da comunicação pública no país. É público e notório que o atual governo vem se utilizando da estrutura que pertence à sociedade brasileira para se autopromover, cometendo diferentes formas de proselitismo, prática vedada pela lei de criação da empresa (Lei 11.652)”, ressalta a nota.

Vale recordar que em abril de 2019, a TV Brasil foi alvo de uma portaria determinando a sua fusão com o canal estatal NBr. A ilegalidade e inconstitucionalidade foi tamanha que levou o Ministério Público Federal (MPF) a entrar, em julho do ano passado, com uma Ação Civil Pública pedindo a anulação da portaria e exigindo que a EBC e a União, de maneira permanente, não mais insiram conteúdos estatais na TV Brasil. Conforme denunciamos neste artigo, a medida abria espaço para episódios como o que aconteceu na última terça (13).

Diante dos fatos, o Intervozes também solicita ao Congresso Nacional que tome medidas para impedir a autopromoção de Bolsonaro e as recorrentes violações à Constituição Federal e à lei que rege a Empresa Brasil de Comunicação.

Confira a nota na íntegra:

SOCIEDADE CIVIL REPUDIA NOVO EPISÓDIO DE AUTOPROMOÇÃO DE BOLSONARO EM JOGO DA SELEÇÃO BRASILEIRA

A Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública – grupo que reúne dezenas de organizações da sociedade civil – se junta aos Sindicatos dos Jornalistas e Radialistas do DF, SP e RJ, e à Comissão de Empregados da EBC, para repudiar de forma veemente a forma como foi feita a transmissão pela TV Brasil do jogo da seleção brasileira pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, Brasil contra Peru, nesta terça-feira (13/10).

Enquanto a bola passava de pé em pé, o narrador André Marques, que não é funcionário concursado da emissora, interrompeu a transmissão para ler um texto sob medida, tanto no primeiro quanto no segundo tempo. Nele, o hoje secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten, nomeou e agradeceu membros da alta cúpula da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e, ao final, mandou “um abraço para o presidente da República, que está assistindo o jogo”. O narrador, então, completou, reforçando o texto encomendado: “um abraço, presidente!”. Até o comentarista, Márcio Guedes, que poderia simplesmente deixar de se pronunciar, também fez questão de bajular o presidente da República.

Essa foi a primeira vez que a TV pública nacional, a TV Brasil, transmitiu um jogo da seleção principal pelas eliminatórias de uma Copa do Mundo — o que é um fato inédito, a ser comemorado. O futebol é um esporte importante no contexto nacional, um patrimônio cultural da sociedade, e que deveria mesmo ter possibilidade de transmissão na rede pública de comunicação em vez de ser monopolizado comercialmente por uma única emissora. Mas isso não significa que o governo de ocasião possa transformar a transmissão em uma peça de propaganda personalista do presidente da República. Afinal, a repercussão do jogo, que poderia ser centrada na atuação dos jogadores, na audiência recorde da emissora ou na polêmica sobre os direitos de transmissão (o que demanda maior investigação) foi sobre o “abraço” enviado ao presidente. Tamanha interferência, direta e indevida, ferindo o princípio da impessoalidade, em conteúdo produzido por uma emissora pública, ficou mais do que evidente.

O presidente Jair Bolsonaro vem destruindo, dia a dia, os princípios da comunicação pública no país. É público e notório que o atual governo vem se utilizando da estrutura que pertence à sociedade brasileira para se autopromover, cometendo diferentes formas de proselitismo, prática vedada pela lei de criação da empresa (Lei 11.652). Até proselitismo religioso já foi feito, quando da transmissão pela TV Brasil de um culto com participação majoritária de pastores neopentecostais, em abril deste ano, ocasião repudiada publicamente pela relatoria pela Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ainda, vale também lembrar das interferências diárias no conteúdo das emissoras da EBC, como revelou o dossiê produzido pela comissão de empregados e pelos sindicatos de jornalistas e radialistas, divulgado mês passado, com a notícia de que pelo menos duas denúncias de censura ou governismo ocorrem semanalmente.

A Frente em Defesa da EBC cobra que as instituições democráticas, em especial o Ministério Público Federal, atuem para garantir que a EBC cumpra sua função. O que mais falta para uma ação específica da cúpula do MPF, por exemplo, em defesa da autonomia da EBC? O presidente da República ser eleito o “craque da partida” em uma próxima transmissão da TV Brasil? Ou que tal o presidente ser o comentarista do jogo? A TV Brasil, a EBC, não são máquinas de propaganda do governo. A empresa é pública e, como dissemos, sua autonomia é garantida por lei. É o que diz o inciso VIII, artigo segundo, da 11.652, ao afirmar que a EBC tem “autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão”.

Fica, portanto, a pergunta: até quando as instituições estabelecidas no país vão deixar Jair Bolsonaro utilizar a estrutura do Estado para se autopromover? Reiteramos, para que esse valor democrático da sociedade brasileira não seja perdido: a EBC não é do governo, a EBC é do povo.

FRENTE EM DEFESA DA EBC E DA COMUNICAÇÃO PÚBLICA