Na última quarta-feira (5), 31 entidades da sociedade civil, entre elas o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, divulgaram um posicionamento conjunto sobre as mudanças nos termos de uso e política de privacidade do WhatsApp, aplicativo de mensageria mais utilizado na América Latina.

Em nota, as organizações destacam que o problema das mudanças não é novo e remonta a 2016. “O verdadeiro problema remonta a 2016, dois anos após a compra do WhatsApp pelo Facebook, quando sem muita atenção das pessoas usuárias ou da mídia, a empresa fez uma grande mudança em sua política global de privacidade para permitir que dados pessoais também fossem compartilhados com outras empresas de seu grupo empresarial. Na ocasião, a alteração foi anunciada às pessoas usuárias com a opção de rejeição (opt-out) que só poderia ser exercida por um período de 30 dias”, diz a nota.

As entidades solicitam a suspensão mundial da nova política. Caso o WhatsApp proceda com a mudança, que a plataforma conceda a alternativa para que as pessoas usuárias possam rejeitar voluntariamente, sem serem impedidas de utilizar o aplicativo.

Confira a nota na íntegra abaixo.

Manifestação da Al Sur e de organizações da sociedade civil Latino-Americana sobre a nova política de privacidade do WhatsApp

O WhatsApp, o aplicativo de mensagens mais usado na América Latina e no mundo, começou a notificar as usuárias no início de janeiro de 2021 sobre mudanças em seus termos de uso e política de privacidade que seriam implementadas em 8 de fevereiro. Dadas as enormes repercussões negativas que teve o seu aviso inicial, e a grande confusão do público quanto ao alcance das alterações anunciadas, a empresa adiou o prazo para aceitação dos novos termos até 15 de maio. Recentemente, o Facebook, empresa dona do WhatsApp, confirmou que a funcionalidade básica do aplicativo ficará restrita para quem não aceitar a nova política.

O problema das mudanças nos termos de uso e política de privacidade do WhatsApp não é novo, não começa com essa mudança de condições anunciada para o próximo mês de maio e não se resolve com as explicações que a empresa deu sobre o alcance das mudanças que serão implementadas. O verdadeiro problema remonta a 2016, dois anos após a compra do WhatsApp pelo Facebook, quando sem muita atenção das pessoas usuárias ou da mídia, a empresa fez uma grande mudança em sua política global de privacidade para permitir que dados pessoais também fossem compartilhados com outras empresas de seu grupo empresarial. Na ocasião, a alteração foi anunciada às pessoas usuárias com a opção de rejeição (opt-out) que só poderia ser exercida por um período de 30 dias.

Em 2016, a questão do poder de controle das empresas globais da Internet sobre as interações sociais estava apenas começando a decolar e se fortaleceria no final daquele ano com as influências nas eleições dos Estados Unidos e no referendo do Brexit, culminando com o escândalo Cambridge Analytica. Mas o Facebook apresentou as mudanças nos termos de uso e política de privacidade do WhatsApp pouco antes disso, desviando da atenção massiva do público que acreditava tratar-se de mais uma atualização técnica do serviço, e o problema não causou muita repercussão, sem contar nas multas impostas pela autoridade europeia da concorrência por “informações enganosas” fornecidas pelo Facebook durante o processo de aquisição do WhatsApp. Assim, chegamos à mudança que hoje se propõe, que embora não aprofunde o acesso aos dados e metadados que o Facebook já possui no WhatsApp desde 2016, o que faz é consolidar este modelo e ainda piora a situação ao permitir a integração de dados por meio de novos serviços de comércio eletrônico para continuar a expansão dos negócios e domínio global do Facebook para novos campos.

Além disso, tanto na América Latina quanto em outras regiões do Sul Global, as leis de proteção de dados pessoais carecem de atualização ou força suficiente por parte das autoridades encarregadas de sua supervisão. Isso cria um desequilíbrio com as proteções que a atualização dos termos de uso e da política de privacidade do WhatsApp oferece às pessoas usuárias da União Europeia protegidas pelo GDPR. Isto é justo? Não representa um padrão mais elevado de compromisso da empresa em respeitar os direitos humanos de suas usuárias, podendo adotar o melhor padrão de proteção disponível em nível global?

Nova política de privacidade 

As mudanças anunciadas para maio incluem forçar as pessoas usuárias a concordar em compartilhar informações pessoais (como dados sobre seus dispositivos); e conversas com empresas que utilizam o WhatsApp Business e que contrataram o Facebook para gerenciar a comunicação entre empresa e usuárias, ou seja, sem criptografia ponta a ponta.

É pegar ou largar: consentimento forçado 

O problema do “consentimento forçado” e a falta de uma base legal para o compartilhamento de dados que já existia em 2016 ainda persiste. Por não haver consentimento livre e esclarecido das pessoas usuárias para compartilhar dados, as mudanças que o WhatsApp agora impõe em sua política são ilegais, pois não atendem aos padrões de consentimento livre e esclarecido das relações de consumo, nem aquilo que é previsto pela legislação de dados pessoais. Para serem legais, as mudanças devem ser justificadas por um interesse legítimo e concreto; deve ser demonstrado que o compartilhamento de dados é estritamente necessário para atingir o objetivo de usar o aplicativo em equilíbrio com os interesses, direitos e liberdades da pessoa interessada. Além disso, deve existir a opção de não autorizar esta alteração, mas sim de continuar a ser utilizador do serviço nas condições até agora oferecidas.

Duplicidade de critérios

Depois de ser condenado em vários países europeus por alterações em sua política de privacidade em 2016, o Facebook assinou compromissos com as autoridades locais que garantiram que a cidadania europeia tivesse um grau de proteção de dados pessoais mais elevado do que as pessoas cidadãs de outros países. Portanto, os termos de uso e a política de privacidade que estão sendo atualizados agora em 2021 são diferentes para as pessoas cidadãs latino-americanas e europeias, isso também é notável no tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. O Facebook aplica dois pesos e duas medidas. A América Latina e o sul global são considerados mercados de segunda classe pelo Facebook mais uma vez.

O poder dominante do Facebook

Em um contexto em que a maioria da população latino-americana acessa a internet pelo celular e via planos pré-pagos, é difícil dizer que esse enorme poder de mercado é fruto da livre escolha das pessoas usuárias, quando quase todos os planos oferecidos têm WhatsApp “ilimitado” em pacotes com zero-rating. Além disso, os efeitos de rede (quando o valor/poder do serviço aumenta com o número de usos de outras pessoas) tornam difícil a troca para outros aplicativos. Assim, as pessoas usuárias não têm a opção de controlar seus dados quando são obrigados a escolher entre aceitar termos de uso abusivos, ou não poder ter interação social com seus familiares e amigos, consultar empresas sobre diversos serviços, acessar oportunidades de emprego, entre muitas outras interações essenciais que ocorrem em toda a plataforma. Essa é a definição de abuso de posição dominante.

O que pedimos ao Facebook e às nossas autoridades locais 

As organizações e instituições que assinam este documento exigem:

  1. A suspensão mundial da alteração dos termos de uso e política de privacidade prevista para o próximo dia 15 de maio; 
  2. Caso as alterações anunciadas continuem, que o WhatsApp conceda a alternativa para que as pessoas usuárias possam rejeitar voluntariamente as referidas alterações à política de privacidade, sem serem impedidas de utilizar os serviços do WhatsApp;  
  3. Com base no respeito ao direito fundamental à proteção de dados pessoais que faz parte do quadro internacional de direitos humanos e cuja proteção efetiva não deve reconhecer limitações na operação de uma empresa que presta serviços globalmente, a suspensão imediata da integração de dados entre WhatsApp e outras empresas do grupo Facebook. Isto em resposta às decisões já adotadas em outras jurisdições do norte global, e independentemente das usuárias terem aceitado os termos de 2016 e 2021; e 
  4. Que as autoridades latino-americanas de proteção de dados, concorrência e defesa do consumidor analisem o caso levando em consideração o ecossistema jurídico de proteção de dados vigente na região, em particular os tratados internacionais de direitos humanos, Constituições Nacionais, Leis de Proteção de Dados Pessoais, Leis de Defesa do Consumidor e Leis de Defesa da Concorrência, e tomem as medidas cabíveis para salvaguardar o direito à privacidade e proteção de dados da população latino-americana.

Assinamos:

– Al Sur, consorcio de organizaciones civiles y académicas de América Latina y el Caribe
– Access Now
– ARTICLE 19, Oficina para México y Centroamérica
– ARTIGO 19, Brasil e América do Sul
– Asociación por los Derechos Civiles, ADC, Argentina
– Barracón Digital, Honduras
– Coding Rights, Brasil
– Coletivo Digital, Brasil
– CONADECUS, Corporación Nacional de Consumidores y Usuarios de Chile
– Derechos Digitales
– Fundación Karisma, Colombia
– Fundacion Ambio, Costa Rica
– Fundación Acceso, Centroamérica
– Fundación Ciudadania Inteligente, Chile
– Fundación Huaira, Ecuador
– Fundación InternetBolivia.org
– Instituto Beta: Internet & Democracia – IBIDEM, Brasil
– Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Brasil
– Instituto Educadigital, Brasil
– Instituto Igarapé, Brasil
– Iniciativa Educação Aberta, Brasil
– Instituto Nupef, Brasil
– Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
– ONG Amaranta, Chile
– OBSERVACOM, Observatorio Latinoamericano de Regulación de Medios y Convergencia
– Open Knowledge Brasil
– TEDIC, Paraguay
– SumOfUs
– Usuario Digitales, Ecuador
– Fundación Datos Protegidos, Chile
– Liga Uruguaya de Defensa del Consumidor, Uruguay