Texto enviado ao jornal paulista rebate críticas feitas ao conceito em editorial sobre a I Conferência Nacional de Comunicação e desconstrói a lógica de que a falta de uma definição legal para o “controle social” teria sido o principal motivo da saída dos empresários da Comissão Organizadora.

No dia 24 de agosto, o jornal o Estado de S. Paulo, publicou um editorial sobre a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). No texto o jornal aponta um dos temas propostos pelos movimentos sociais na Confecom – o controle social – como algo que “não consta na legislação e vigor” e impulsionador de “condutas que venham a ferir os princípios da livre iniciativa e da liberdade de expressão”. O Intervozes enviou resposta ao veículo defendendo o conceito.

Publicada na edição do dia 29 de agosto, a resposta do Intervozes afirma que já estão previstos na Constituição Federal artigos que expressam claramente a necessidade do controle social. De acordo com o coletivo, este é o caso do artigo 220 [da Constituição], parágrafo 3º, que coloca a necessidade de  “estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

O editorial afirma ainda que “cada um dá à expressão [controle social] o significado que mais lhe apetece” e aponta esse como o motivo central para a saída das seis representações empresariais que abandonaram a Comissão Organizadora Nacional (CON) da Confecom. Como membro da CON, presente a todos os debates travados no âmbito dessa instância, o Intervozes esclarece que foram os próprios empresários que se recusaram a aceitar todos os princípios constitucionais da Confecom. “Nos princípios propostos por esse setor estavam apenas alguns dos princípios constitucionais e outros que não constam em nenhuma legislação brasileira do tema. Propusemos que todos os artigos relativos à Comunicação Social na Constituição Federal fossem então tomados como referência, o que não foi aceito”, afirma João Brant, que assina a resposta ao Estadão.

Por fim, o coletivo aponta que historicamente são os empresários quem desrespeitam as tentativas de regulamentação do setor. “Quem tem demonstrado pouca disposição em respeitar o texto constitucional são determinados setores do empresariado que há 18 anos pressionam o Congresso para impedir a regulamentação do artigo 221, que trata da regionalização da produção”, finaliza Brant.

Campo público – Outro aspecto abordado pelo editorial expôs que “os ataques às redes comerciais são recorrentes entre os porta-vozes dos movimentos engajados nos preparativos da Confecom, mas quase nada se fala sobre o aparelhamento das emissoras públicas e estatais [Veja aqui contribuições do Intervozes apresentadas na audiência pública EBC]”. O coletivo ressaltou que tem sido “publicamente crítico a casos de aparelhamento das emissoras públicas e estatais, assim como ao bastante frequente aparelhamento político para fins particulares das emissoras privadas, que tem na recente disputa entre Globo e Record apenas mais um exemplo”.

 

Veja abaixo a íntegra da resposta do Intervozes e do editorial do Estado de S. Paulo.

<!– @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } –>Carta do Intervozes

Como membros da Comissão Organizadora Nacional da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, gostaríamos de apresentar algumas observações em relação ao conteúdo do editorial sobre o tema publicado na segunda-feira (24/8):

– os empresários não aceitaram a delimitação de todos os princípios constitucionais como referência para a Conferência. Nos princípios propostos por esse setor estavam apenas alguns dos princípios constitucionais e outros que não constam em nenhuma legislação brasileira do tema. Propusemos que todos os artigos relativos à Comunicação Social na Constituição Federal fossem então tomados como referência, o que não foi aceito;

– em nossa opinião, o controle social deve seguir o que aponta a Constituição Federal. Em seu artigo 220, parágrafo 3º, por exemplo, está estabelecida a necessidade de lei federal “estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. Hoje a população não tem como se defender de forma efetiva desse tipo de prática das emissoras;
– temos sido publicamente críticos a casos de aparelhamento das emissoras públicas e estatais, assim como ao bastante frequente aparalhemento político para fins particulares das emissoras privadas, que tem na recente disputa entre Globo e Record apenas mais um exemplo;

Quem tem demonstrado pouca disposição em respeitar o texto constitucional são determinados setores do empresariado que há 18 anos pressionam o Congresso para impedir a regulamentação do artigo 221, que trata da regionalização da produção.

Atenciosamente,
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social


Editorial do Estado de S. Paulo

A Conferência Nacional de Comunicação

Está num impasse a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada no dia 16 de abril por meio de decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seis das oito entidades empresariais que integravam a Comissão Organizadora Nacional, encarregada de preparar a conferência, marcada para o início de dezembro, abandonaram o barco. São elas: a Associação Brasileira de Rádio e Televisão, a Associação Nacional de Jornais, a Associação Nacional dos Editores de Revistas, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil e a Associação Brasileira de Provedores de Internet. Apenas a Associação Brasileira de Telecomunicações, que representa as teles, e a Associação Brasileira de Radiodifusores, que congrega a Band e a RedeTV!, decidiram prosseguir no grupo, mas o mal-estar continua. A cisão, que retirou da comissão organizadora a maior parte da mídia brasileira, pôs em xeque a legitimidade da Conferência.

A ideia de uma conferência para o setor não é má. Desde 2003, o governo federal já realizou eventos semelhantes para debater outras áreas, que vão da cultura à juventude, e eles foram úteis em apontar problemas, carências e demandas que podem ser resolvidos pelo poder público. A Conferência Nacional de Comunicação, no entanto, tem uma particularidade. O seu tema, “Construção de direitos e de cidadania na era digital”, conforme estabeleceu o decreto de convocação, envolve não apenas os chamados “movimentos sociais”, mas diz respeito, diretamente, às empresas que atuam na comunicação social. Se esse grupo se manifesta desconfortável com os rumos das discussões – a ponto de retirar-se dos preparativos da Confecom -, um sinal amarelo se acende.

Uma expressão está no centro do impasse: “controle social da mídia”. Como ela não consta da legislação em vigor, o que se entende por “controle social da mídia” não está bem definido. Cada um dá à expressão o significado que mais lhe apetece. Para alguns, ela significa apenas a vigência de mecanismos democráticos e impessoais de regulamentação e de regulação das emissoras, que, como concessionárias de serviço público, devem prestar contas de suas atividades à autoridade. Nada de errado com isso. Nas principais democracias, os regimes de regulação preservam o interesse público. Para outros, contudo, a mesma expressão pode abrigar condutas que venham a ferir os princípios da livre iniciativa e da liberdade de expressão, dando margem para que se persigam estações de rádio e de televisão com base em ideologias abstrusas e assembleísmos. Daí para o autoritarismo, não é preciso dizer, basta um pequeno passo.

Em virtude da imprecisão do slogan em que se converteu o “controle social da mídia”, o receio do empresariado se justifica. É natural que uma conferência dessa natureza debata os marcos regulatórios, mas é também necessário que, nela, não se agridam princípios constitucionais – e é aí, precisamente, que reside o desconforto das entidades dissidentes. Elas alegam que os parâmetros que disciplinariam o escopo dos debates, a serem aprovados pela comissão organizadora, não ficaram suficientemente claros. Daí não se descartar a hipótese de que a 1ª Conferência Nacional de Comunicação possa vir a se converter num comício partidário para atacar os meios de comunicação comerciais. O risco não é pequeno, sobretudo quando se leva em conta que 2010 é um ano eleitoral e que setores do governo talvez queiram se valer das resoluções da conferência para ameaçar as redes privadas.

Com efeito, os ataques às redes comerciais são recorrentes entre os porta-vozes dos movimentos engajados nos preparativos da Confecom, mas quase nada se fala sobre o aparelhamento das emissoras públicas e estatais, que também deveria ser combatido pelos que dizem defender a democracia. Não restam dúvidas quanto à necessidade de que os antigos vícios da radiodifusão, como o oligopólio e a crescente vinculação entre interesses religiosos e estações de rádio e TV, além da instrumentalização dos meios públicos, sejam rapidamente superados. Mas a partidarização da conferência pode pôr tudo a perder. O afastamento das entidades empresariais da fase preparatória da conferência deve servir de alerta para que o governo reconduza sua iniciativa aos trilhos adequados.