“Pela primeira vez na humanidade, os espaços públicos de discussão não são mais a praça, câmaras e congressos, mas plataformas privadas”. A afirmação é do Relator Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão, Edison Lanza, proferida na palestra de abertura do seminário “Grandes plataformas de internet e moderação de conteúdos: desafios para a liberdade de expressão e outros direitos humanos”, realizado na última terça-feira, 10 de setembro, na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo. O seminário, organizado pelo Intervozes e entidades da América Latina, debateu durante todo o dia caminhos para uma regulação democrática de conteúdos online que leve em consideração os tratados internacionais de direitos humanos e liberdade de expressão.

Lanza apresentou o panorama internacional da regulação de plataformas. “As grandes plataformas precisam seguir os princípios dos tratados de direitos humanos, criar mecanismos e conselhos independentes para apelação dos usuários e também temos que seguir mirando a regulação estatal. É bom que o setor privado esteja olhando para essas questões, mas os Estados ainda precisam ter poder de ingerência na regulação da liberdade de expressão. Questões de injúria e desinformação, por exemplo, não devem ser delegadas pelo Estado às empresas”.

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O relator da OEA também ressaltou que a desinformação precisa ser avaliada neste cenário amplo. “Não há uma única solução para a questão da desinformação, de regulação do Estado. É um problema transfronteiriço e que precisa ser resolvido de forma multistakeholder, multissetorial. Derrubar todos os conteúdos pode nos levar novamente ao obscurantismo e à censura. O caso do The Intercept no Brasil, por exemplo, mostra como se pode desvirtuar os conceitos. Bolsonaro diz que a Folha de S.Paulo é fake news. Então, precisamos trabalhar em distintas frentes para resolver esses problemas”. Para enfrentar a desinformação, um dos pontos a serem analisados, segundo Lanza, são os modelos de negócio na Internet que remuneram por publicidade sites dedicados à produção de desinformação da mesma forma que produtores de conteúdo que investem em conteúdo de qualidade.

Em seguida, Olívia Bandeira, coordenadora de Relações Internacionais e Formação do Intervozes, e João Brant, pesquisador do Observatório Latino-Americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), apresentaram o documento Contribuições para uma regulação democrática das grandes plataformas que garanta a liberdade de expressão na internet, desenvolvido pelas entidades em parceria com Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Desarrollo Digital. A proposta está aberta para consulta pública até o dia 15 de outubro, neste link.

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O documento traz uma perspectiva latino-americana para moderação de conteúdo e inclui recomendações sobre princípios, padrões e medidas específicas para estabelecer formas de corregulação e de regulação pública que limitem o poder das grandes plataformas de internet (tais como redes sociais e mecanismos de busca) para proteger a liberdade de expressão de seus usuários e garantir uma internet livre e aberta. “Percebemos que as grandes plataformas possuem um poder enorme na internet e exercem uma regulação privada, determinando o que pode ou não circular na redes, interferindo na liberdade de expressão dos usuários e, muitas vezes, violando direitos humanos. Essa é uma proposta que parte da perspectiva do interesse público, envolvendo empresas, estados e sociedade civil nessa discussão”, afirmou Bandeira. Diogo Moyses, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e da Coalizão Direitos na Rede, também participou do debate.

Modelos de negócios na internet e garantia da liberdade de expressão
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Após a apresentação do documento, a primeira mesa temática se debruçou sobre os limites e desafios dos modelos de negócio das grandes empresas de internet. Bruna Martins, da Coding Rights, questionou a remoção pelo Instagram do GIF publicado pela entidade em celebração do Dia da Visibilidade Lésbica. Para ela, casos como esse devem ser levados em consideração quando o assunto é regulação das plataformas. Mônica Rosina, representante do Facebook no debate, apresentou as ações autorregulatórias da empresa e afirmou que a plataforma está aberta a um conselho geral, além do Conselho Externo já instaurado. Também participaram da discussão Marcela Matiuzzo, da Faculdade de Direito da USP; Paulo José Lara, da Artigo 19; e Gustavo Gómez, do Observacom.

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A secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, chamou a atenção para a importância da diversidade nas plataformas. “Ter muito conteúdo circulando não significa ter diversidade e pluralidade informativa, ainda mais se a moderação desses conteúdos é feito por plataformas privadas e seus algoritmos. O grande desafio que temos pela frente é garantir pluralidade nessas plataformas”. E questionou: “faz sentido que os algoritmos das plataformas sejam protegidos por propriedade intelectual se eles são centrais na circulação da informação hoje?”

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Também participaram da mesa Juliana Nolasco, representante do Google; Diego Canabarro, da Internet Society; e Andres Piazza, da Desarrollo Digital.

O seminário foi organizado pelo Intervozes, Observacom, Idec, Desarrollo Digital, Coalizão Direitos na Rede, FNDC e Núcleo de Direito Concorrencial e Economia Digital da USP.