O site “Quem controla a mídia na América Latina?”, lançado nesta semana em São Paulo e no Ceará, compara a concentração nos meios de comunicação em cinco países

Na América Latina, os meios de comunicação estão sob controle do setor corporativo e de famílias empresariais que se vinculam às elites econômicas e políticas e usam sua capacidade de influenciar a opinião pública como capital. É o que conclui a pesquisa “Quem controla a mídia na América Latina?“, lançada pelo Intervozes e Repórteres sem Fronteiras (RSF) em São Paulo, no dia 3 de dezembro, e em Fortaleza, no último dia 5. O estudo compara a concentração dos meios de comunicação entre Argentina, Brasil, Colômbia, México e Peru, e integra uma ferramenta de transparência global, o Media Ownership Monitor (MOM). 

Os cenários da mídia e os fatores que os impactam são variados na América Latina, mas os resultados mostram que algumas tendências e semelhanças são compartilhadas pelos países da região. Na Argentina, por exemplo, os 52 principais meios de comunicação estão nas mãos de 22 empresas, que determinam o que assistem, leem e ouvem a grande maioria dos 44 milhões de argentinos. Os quatro maiores conglomerados concentram quase metade do público nacional em todas as mídias e 25% de todo esse público está nas mãos do Grupo Clarín, que detém a propriedade de 12 dos 52 veículos pesquisados.

No Brasil, a história se repete. Os 50 veículos de maior audiência pertencem a 26 grupos de comunicação. Nem crescimento da internet, nem esforços regulatórios ocasionais limitaram a formação de oligopólios no país. No segmento de televisão, mais de 70% da audiência nacional é concentrada em quatro grandes redes e somente uma delas, a Rede Globo, detém mais da metade da audiência entre as quatro maiores TVs. Como não há restrições à propriedade cruzada – com exceção do segmento de TV paga – os líderes de mercado dominam múltiplos segmentos.

Na Colômbia, os três grupos de mídia com maior concentração de audiência são a Organização Ardila Lülle, o Grupo Santo Domingo e a Organização Luis Carlos Sarmiento Angulo. Juntos, esses grupos empresariais concentram 57% do conteúdo total que a sociedade pode acessar no rádio, TV, internet e mídia impressa. O grupo liderado por Sarmiento é uma das quatro organizações empresariais mais importantes da Colômbia e seu presidente é o homem mais rico do país.

O MOM Peru revelou a existência de um alto grau de concentração na propriedade dos meios de comunicação no país, assim como a ausência de regulação do mercado pelo Estado. A pesquisa confirmou a posição dominante do Grupo El Comercio. Das 40 mídias analisadas, 16 pertencem a esse grupo que, além de concentrar 70% da publicidade anual no rádio, TV e internet, concentra também 80% da circulação estimada de jornais impressos do país. Além disso, o país apresenta um dado sem paralelos: 68% do total da audiência estimada para notícia online no país estão nas mãos desse mesmo grupo.

O poder da mídia no México anda de mãos dadas com a política. No caso das 42 mídias analisadas, 38 obtêm receitas significativas da publicidade oficial em 2017. Metade do orçamento público para verba publicitária é alocada para apenas 10 dos grupos de mídia analisados ​​neste estudo. Isso acontece apesar do fato de haver mais de mil fornecedores entre os quais esse dinheiro público poderia ser distribuído. Entre os que recebem mais recursos estão o Grupo Televisa (18,75%) e a TV Azteca (9,8%).

No México, outro aspecto levantado pela pesquisa foi a ausência de indígenas proprietários dos meios de comunicação de maior alcance do país. Cerca de 12 milhões de mexicanos se identificam como indígenas, correspondendo a 11% da população. A mídia mexicana está nas mãos de homens brancos, assim como no Brasil. Quando se observa a questão étnico-racial no país, nota-se que não há diversidade na propriedade dos meios. Nenhuma pessoa negra figura no quadro societário dos veículos de comunicação brasileiros analisados. No quesito gênero, pouquíssimas mulheres aparecem como proprietárias de meios de comunicação.

Pesquisadores apontam caminhos

Para discutir os impactos dos monopólios midiáticos no cenário político da América Latina foram realizadas rodas de conversa nos dois estados. Nos eventos, uma cartilha com propostas de políticas para a promoção da pluralidade e da diversidade nos meios de comunicação foi apresentada. O documento pode ser lido na íntegra aqui.

Em São Paulo, o diretor da Repórteres Sem Fronteiras – América Latina, Emmanuel Colombié, destacou que “este é um projeto aberto para todo tipo de audiência, para todos aqueles que querem saber o que tem por trás das informações que consomem. Consideramos muito importante dar transparência a isso”. Gerardo Aranguren, editor do Diário Tiempo Argentino e consultor do MOM Argentina, apresentou o processo de pesquisa no país e as soluções que os trabalhadores têm encontrado. “Enquanto essas grandes corporações despedem trabalhadores e reduzem as redações, os meios comunitários e autogestionados se sustentam, muitas vezes, “autoprecarizando” os seus trabalhadores, como é o nosso caso. Isso se dá no sentido de que não podemos pagar o que o mercado paga, mas nunca passaria pela nossa cabeça despedir alguém da cooperativa por falta de dinheiro. Isso é interessante para pensarmos adiante, pois enquanto os grandes meios seguem somando empresas e audiências, há outros modelos de negócio que surgem, pequenas empresas, mas muito arraigadas em suas comunidades”, afirmou.

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Olívia Bandeira, coordenadora executiva do Intervozes e pesquisadora do MOM Brasil, destacou que o cenário de concentração no Brasil que vem de muitas décadas. “Fizemos essa pesquisa em 2017 e construímos um grande banco de dados e é importante ressaltar que esse banco de dados nos ajuda a pensar outras pesquisas, reportagens, formas de analisar o cenário da mídia no continente e políticas públicas que precisamos reforçar em cada um desses países. Analisamos 50 veículos de mídia, que estão em propriedade de 26 grupos, mas a concentração é muito maior, porque desses 50, 26 estão nas mãos de apenas cinco grupos: Globo, Record, Band, Folha e um grupo regional, o RBS”.

Ela apontou ainda os amplos interesses empresariais dos grupos que controlam a mídia no Brasil, que estão presentes em outros setores da economia nacional, como o agronegócio, infraestrutura, logística, transportes, mercado imobiliário e mercado financeiro. Além disso, outra característica específica do caso brasileiro é a participação religiosa nos veículos de maior audiência. Dentre os 50 veículos pesquisados, 9 são de propriedade de lideranças evangélicas ou católicas. André Pasti, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador do MOM Brasil, apresentou o site da pesquisa, os indicadores e o banco de dados levantado no país.

Itzel Castillo, coordenadora do MOM México, participou remotamente e contou um pouco da experiência de monitoramento realizada no país. Luís Brasilino, do Le Monde Diplomatique Brasil e apresentador do podcast Guilhotina, mediou o debate.

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No Ceará, a roda de conversa contou com a participação de Daniel Fonseca, servidor da UFC e consultor do MOM Brasil, que apresentou os resultados da pesquisa para as mais de 50 pessoas presentes no evento. Além de Colombié e Aranguren, que foram ao Nordeste falar sobre o MOM-América Latina, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL), autor do Projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais no estado, também participou do debate.

“Os grupos de mídia influenciam, e muito, nas dinâmicas de poder. No momento em que a América Latina vivencia conflitos e mobilizações intensas, é importante voltar a analisar o papel de grupos que historicamente exercem o poder fundamental de agendar as discussões, transmitir informações para a população e fiscalizar o Poder Público. Tudo isso com pouco ou nenhum espaço para a pluralidade e diversidade de ideias e opiniões”, destacou Helena Martins, professora da Universidade Federal do Ceará e integrante do Conselho Diretor do Intervozes, que mediou a roda de conversa em Fortaleza, que aconteceu na sede do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Ceará (ADUFC).

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Media Ownership Monitor

A pesquisa integra o Media Ownership Monitor (MOM), uma metodologia de mapeamento global que gera uma base de dados acessível publicamente e atualizada constantemente sobre os principais proprietários dos meios de comunicação de um país, incluindo mídia impressa, rádio, televisão e online. O objetivo é lançar luz sobre os riscos que a concentração da propriedade representa para o pluralismo e a diversidade da mídia. O MOM também avalia qualitativamente as condições do mercado e o ambiente regulatório.

Para Nube Alvarez, coordenadora regional do MOM para América Latina da Repórteres sem Fronteiras, a concentração de mídia na América Latina está em crescimento e é controlada por alguns dos empresários mais ricos do mundo. “Enquanto as riquezas crescem, a concentração da propriedade dos meios de comunicação também aumenta. O projeto MOM é essencial para entender as relações entre os meios de comunicação e o poder. Os proprietários de mídia não respeitam os direitos trabalhistas dos jornalistas, por exemplo, isso resulta na precarização do trabalho jornalístico, na vulnerabilidade e na falta de independência dos jornalistas. Além disso, a linha editorial, muitas vezes, está atrelada à quantidade de dinheiro que os veículos recebem da publicidade pública e privada. Este exercício é indispensável para que o público seja crítico e possa decidir o tipo de veículo de comunicação que deseja consumir”, pontua.

Assista ao lançamento em São Paulo na íntegra.

Acesse o site MOM – América Latina.