O Intervozes participou, entre os dias 26 a 28 de agosto, em Brasília, do seminário nacional do Movimento Estratégico pelo Estado Laico. Desde o lançamento do MEEL, em junho de 2013, crescem as adesões a esta ideia de afirmação ampla e diversa do Estado Laico no Brasil. A iniciativa têm em sua origem a determinação de enfrentar o avanço das forças conservadoras e fundamentalistas no Brasil, “buscando contribuir para garantir que as decisões sobre a legislação, políticas e serviços públicos sejam baseadas em evidências e não em crenças religiosas de qualquer natureza”.

Os direitos à liberdade de consciência e à liberdade de expressão têm sido reivindicados tanto por defensores dos direitos humanos, direitos sexuais e direitos reprodutivos quanto por conservadores que associam sua fé religiosa a posicionamentos políticos. A laicidade do Estado não está formalmente questionada, embora hajam divergências no entendimento do que seja a laicidade. Recentemente assistimos à polemização conservadora quanto ao Estado laico não ser um Estado ateu, alegando que defensores da laicidade do Estado associados à defesa dos direitos humanos estariam propondo laicismo, ou seja, a interpretação de que o Estado estaria vetado a reconhecer quaisquer religiões, se consolidando como um Estado ateu.

Impulsionado inicialmente, por importantes redes que historicamente defendem os direitos humanos no Brasil, tais como Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transsexuais (ABGLT), Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Conselho Federal de Psicologia (CFP), PLATAFORMA DHESCA, e Comunidade Bahá’i, o MEEL continua agregando diversas redes e grupos pautados na luta intransigente pelas liberdades democráticas.

O Intervozes participou do encontro por entender a importância da agenda da laicidade também no campo das comunicações. Atualmente, o crescimento da presença da programação religiosa nos meios de comunicação de massa tem sido feito com base em práticas ilegais na exploração do serviço de radiodifusão. Entre elas, a venda de grade de programação pelas emissoras que ultrapassam o limite autorizado por lei ou o arrendamento indireto de concessões. Muitas vezes, a programação difundida por organizações religiosas também viola direitos fundamentais de grupos sociais e promove o preconceito contra outras religiões.

Ao final do encontro, foi lançado um manifesto em defesa do Estado laico, das liberdades e das lutas pela democracia no Brasil, que pede, entre outros pontos, o fim da venda de grade de programação das emissoras de rádio e TV e da concessão de outorgas para confissões religiosas, conforme proposta já construída pelo movimento pela democratização da comunicação no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática.

Confira abaixo a íntegra do manifesto:

Para saber mais sobre o Movimento Estratégico pelo Estado Laico, visite www.meel.org.br

MANIFESTO DO MOVIMENTO ESTRATÉGICO PELO ESTADO LAICO:

em defesa do Estado laico, das liberdades e das lutas pela democracia no Brasil

O Movimento Estratégico pelo Estado Laico, tendo se reunido em seminário nacional realizado em Brasília nos dias 26, 27 e 28 de agosto, vem a público se manifestar sobre os desafios a serem enfrentados no marco do Estado democrático brasileiro. Compõem o presente Movimento grupos da sociedade civil de defesa dos direitos humanos compostos por mulheres, população negra, população LGBT, acadêmicos, grupos e organizações religiosas, organizações de ateus e agnósticos, e outros atores sociais legítimos e que devem ser escutados em suas próprias crenças e reivindicações por direitos humanos.

Defendemos a Laicidade por compreender que o respeito à diversidade e à liberdade religiosa, de crença e de consciência só é possível em um Estado Laico, e que esta liberdade seja garantida tanto quanto o combate às intolerâncias. Somente o Estado laico possibilita garantir e proteger tanto a pluralidade de religiões como o direito à manifestação de grupos e indivíduos que não apresentam vínculos com religiões, tais como ateus e agnósticos. A democracia é fortalecida no Estado laico.

No contexto brasileiro, este é um processo ainda em construção. Nesse sentido, o MEEL repudia o avanço, no atual cenário político nacional, de grupos intolerantes que pregam o discurso de discriminação e ódio. Esses grupos, com o objetivo de realizar seus projetos de poder, muitas vezes se revestem do discurso religioso fundamentalista para imprimir sua face racista, machista, homo/lesbo/transfóbica, patriarcal, classista e violenta na disputa de consciências, sentidos e conceitos. Desde uma posição auto-atribuída de superioridade moral, tais grupos deslegitimam a vivência de outros e cometem violações sistemáticas aos direitos de diversos segmentos sociais, se não com a contribuição direta, contando com a conivência do Estado.

Denunciamos ainda o processo de criminalização e os retrocessos no campo dos direitos humanos empreendidos pela atuação da bancada religiosa fundamentalista, aliada, quando convém, aos ruralistas e outras forças conservadoras do Congresso, que minam garantias democráticas já conquistadas por lutas históricas de movimentos sociais. Esses grupos atuam com violência sobre povos de terreiro, promovem o genocídio da população negra e indígena e interferem em liberdades individuais, exercem controle sobre os corpos e a sexualidade das mulheres, em particular no que diz respeito ao aborto e o exercício da orientação sexual e identidade de gênero.

Levando em consideração este cenário, o MEEL vem alertar a sociedade brasileira e manifestar sua opinião sobre as seguintes iniciativas em curso no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário:

– pela aprovação do PLC 122/2006 da criminalização da homo/lesbo/transfobia;

– pela descriminalização do aborto;

– pela liberdade de crença e fim da intolerância e violência contra manifestações religiosas;

– pela implementação integral da Lei nº 10.639 (ensino da história africana e afrobrasileira) e da Lei nº 11.645 (ensino da história dos povos indígenas) e pela criação de políticas públicas de combate e prevenção à homo/lesbo/transfobia nas escolas públicas e privadas;

– pelo julgamento favorável no STF da ação direta de inconstitucionalidade nº 4439, que questiona o ensino religioso nas escolas públicas;

– pelo fim da venda de grade de programação das emissoras de rádio e TV e da concessão de outorgas para confissões religiosas;

– pelo fim da utilização de recursos públicos para o proselitismo e imposição religiosa nas áreas de saúde e educação.

Defendemos a ampla discussão de iniciativas legislativas com a sociedade civil, no contexto de uma reforma política que seja ampla, popular e democrática, de modo que a legislação não represente a visão religiosa e doutrinária de seus legisladores, mas pautando-se nos direitos humanos e na diversidade e pluralidade de concepções de mundo.

Por fim, diante do processo eleitoral em curso no país, vemos com extrema preocupação a proliferação de plataformas baseadas na reprodução de morais religiosas impositivas e discriminatórias. Assim, conclamamos a população brasileira a demonstrar nas urnas seu compromisso com as conquistas no campo dos direitos humanos e em defesa do Estado Laico.

Brasília, 28 de agosto de 2014.