A Coalizão Direitos na Rede, que reúne mais de 50 entidades da sociedade civil e da qual o Intervozes faz parte, divulgou nota pública sobre a importância da aprovação do PL 2630/2020. Diante da intensa campanha de desinformação promovida pelas próprias plataformas digitais pela não aprovação do PL, a Coalizão destaca que “é essencial reafirmar a defesa da regulação pública democrática em um cenário em que forças ligadas a pressões de interesses escusos e/ou ligados às plataformas têm promovido uma campanha baseada em mentiras e distorções para tentar derrotar o projeto (como a mentira de que a proposição censuraria textos religiosos). O interesse de quem não quer obrigações republicanas é ter um espaço livre para difundir ódio”.

Confira a nota completa:

PL 2630: Regulação pública democrática das plataformas é fundamental, com instituições autônomas e participativas

O deputado Orlando Silva (PC do B-SP) divulgou, na noite da quinta-feira, 27, o novo relatório ao Projeto de Lei 2.630 de 2020 (PL 2630), que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Como a Coalizão Direitos na Rede tem apontado, a regulação pública democrática das plataformas digitais é fundamental e urgente. O PL é a oportunidade chave para avançar em direção a um ambiente digital que proteja os cidadãos e assegure direitos. 

É essencial reafirmar a defesa da regulação pública democrática em um cenário em que forças ligadas a pressões de interesses escusos e/ou ligados às plataformas têm promovido uma campanha baseada em mentiras e distorções para tentar derrotar o projeto (como a mentira de que a proposição censuraria textos religiosos). O interesse de quem não quer obrigações republicanas é ter um espaço livre para difundir ódio. Em um país democrático, mentiras e objetivos nefastos não podem guiar uma discussão fundamental para o futuro e presente das nossas sociedades, e que está ocorrendo em todo o mundo justamente pela sua urgência.

A pressão daqueles setores levou o relator a retirar do texto a previsão de uma entidade autônoma de supervisão, que teria o papel central de fiscalizar o cumprimento da Lei, em parceria com o Comitê Gestor da Internet, que fica responsável pela emissão de diretrizes. Faz-se necessário desmentir discursos falsos e reforçar que não há uma regulação pública democrática sem instituições públicas democráticas, multissetoriais e com autonomia em relação a grupos privados e governos. Ao contrário do que dizem os críticos da proposta, a existência de órgãos reguladores, tão comum em países que amadureceram a compreensão sobre políticas de comunicação, é fundamental à democracia, pois possibilita o debate de proposições, garante olhar técnico sobre as questões e abre espaço para a participação de diversos setores da sociedade.

Neste cenário, a CDR enfatiza a necessidade de retomada deste modelo no PL, assegurando que a regulação seja feita por entes multissetoriais e autônomos. Os enormes desafios que temos diante de um cenário novo devem levar a sociedade a empreender esforços à altura, como a criação de novos modelos regulatórios e instâncias competentes. Nesse sentido, a Coalizão acrescenta sua preocupação com propostas ventiladas nos últimos dias, como a destinação desse papel à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em nota, a Coalizão explica por que essa alternativa é problemática e indesejável. Tão equivocado é dar essa atribuição a um Ministério, o que pode ser apropriado por um governo de plantão para o cometimento de abusos.

Apesar deste recuo grave, o projeto segue trazendo regras importantes para limitar o poder das plataformas digitais e empoderar a sociedade e, portanto, deve prosperar. É o caso das obrigações de transparência, atenção aos termos de uso e outras políticas das plataformas, bem como das regras do chamado devido processo (como exigências de notificação do usuário quando da moderação de conteúdo e de mecanismos de recurso). O projeto é fundamental, portanto, para que possamos conhecer mais como funcionam espaços que se tornaram extremamente relevantes para o debate público e para envolver a sociedade na busca para que eles sejam sadios, por isso há proposições de mecanismos para denúncias de conteúdos criminosos e acesso a informações. Também há regras relevantes para agentes públicos, para serviços de mensageria e para a publicidade digital, a fim de garantir que o interesse público seja respeitado no ambiente digital.


Outras mudanças do novo relatório geraram aprimoramentos. O relatório incorporou medidas do que tem sido chamado dever de cuidado, atribuindo às plataformas a tarefa de atuar frente a conteúdos que julguem criminosos, o que preocupa porque não cabe a tais agentes fazer esse tipo de avaliação, típica das instâncias judiciais, nem decidir o que deve ou não circular na sociedade. Cumpre notar que propostas anteriormente apresentadas modificavam o regime de responsabilização do Marco Civil da Internet. No texto do relator, a responsabilidade solidária dos provedores por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros incidirá pelo período de duração do protocolo e será restrita aos temas e hipóteses nele estipulados. 

Chegando a uma mediação possível frente às diferentes opiniões sobre o tema, o texto do relator restringe, pois, o dever de cuidado, limitando-o e vinculando-o a um protocolo, a fim de que não gere uma postura de monitoramento e derrubada de conteúdos por parte das plataformas, ao passo que garante um mecanismo para atuação em casos que demandam atenção à segurança, como vimos recentemente no caso das escolas. Outros pontos em relação aos quais a sociedade civil apresentou críticas também foram atenuados, como as obrigações de coleta de dados e a remuneração de direitos autorais. 

Outras mudanças do novo relatório merecem atenção. Cumpre ressaltar que pressões de interesses escusos também acabaram levando à manutenção de artigo que amplia a imunidade parlamentar para o âmbito das redes sociais, proposta que, a nosso ver, deveria ser suprimida. No mesmo sentido, nos preocupa a inclusão de inciso que menciona a “exposição plena de dogmas religiosos” como fundamento da lei. A Constituição Federal não garante a defesa fundamentalista ou irrestrita de dogmas religiosos ou ideológicos, mas sim a liberdade religiosa, de consciência e de crença (Art. 5º, VI, CF). Além disso, pode abrir margem para discursos violentos contra determinados grupos sociais, como pessoas LGBTQIA+. A liberdade de expressão é um direito fundamental e que buscamos proteger. Ela, contudo, não pode ser confundida com a liberdade de incitar violência, proferir falas racistas e outros discursos em desacordo com parâmetros constitucionais. 

O exposto até aqui mostra, portanto, que, como resultado de mais de três anos de discussões intensas, proposições e escuta, chegamos a um texto que acolhe visões dos mais diversos setores. Ainda que combine aspectos positivos com outros que, a nosso ver, podem melhorar ou que não deveriam ser objeto do projeto em comento, avaliamos que o PL 2630 contribui para que o Brasil dê passos fundamentais rumo à garantia de direitos. 

O único ponto que precisa de definição é o da aplicação da lei, pois toda boa regulação precisa de um bom regulador. Para que as medidas estabelecidas no PL 2.630 sejam eficazes, a CDR aponta, uma vez mais, a necessidade de instituição de um modelo participativo, multissetorial e com a criação de uma entidade autônoma de supervisão independente.

Além disso, outros ajustes podem ser feitos, ainda no debate em curso na Câmara dos Deputados, para que o texto avance. Definida a questão da entidade autônoma de supervisão, a seção sobre sanções precisa ser ajustada para que medidas de bloqueio sejam aplicadas por maioria absoluta de órgão judicial colegiado, garantindo o devido exame dos direitos em jogo. De forma semelhante, a prorrogação do período de protocolo de segurança também deve caber ao poder judiciário. No Art 32, sobre remuneração de conteúdos jornalísticos, a exceção à publicação de links foi retirada e deveria retornar.  

Por fim, consideramos importante que o texto inclua salvaguardas para que as previsões relevantes trazidas pela lei não sejam interpretadas de maneira abusiva para estabelecer obrigações gerais de monitoramento e filtragem de conteúdo ou para reduzir proteções a direitos inscritas no desenho de aplicações voltadas a assegurar a inviolabilidade das comunicações, a privacidade, a segurança e o direito à proteção de dados de todos os usuários e usuárias.

Confira também: 10 pontos que você precisa saber sobre o PL 2630.