Nota de repúdio da Rede Mulher e Mídia: “BBB 2017 e Rede Globo: Por que expulsar o agressor não basta”
Por Intervozes em
Nesta segunda-feira (10/04), depois de ampla mobilização do movimento feminista nas redes sociais, de diversas denúncias feitas pelo Disque 180 e da atuação da Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro, a Rede Globo decidiu expulsar da edição 17 do Big Brother Brasil o participante Marcos Harter. A conclusão da emissora, após consulta a especialistas – como explicou o apresentador Tiago Leifert – foi a de que a participante Emilly Araújo foi vítima de agressão física na madrugada deste domingo (09), após uma das festas do programa.
Diante do ocorrido e em função do nosso compromisso com a defesa dos direitos das mulheres nos meios de comunicação de massa, a Rede Mulher e Mídia – articulação que reúne dezenas de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e centenas de ativistas de todo o país – vem a público manifestar sua indignação e repúdio diante da postura da Rede Globo. Ao contrário do que a produção do programa tenta fazer o público acreditar, a emissora não agiu imediatamente para garantir a integridade de Emilly, muito menos para combater a violência dentro da “casa do BBB”.
Quem acompanhou o programa viu, mesmo com as edições do conteúdo registrado, que a estudante, de 20 anos, foi vítima de inúmeras e diversas formas de violência, caracterizadas pela Lei Maria da Penha. A lei, em vigor desde 2006 no país, estabelece como tipos de violência contra a mulher a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. E determina, em seu artigo 8o, inciso III, “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar”.
Ao longo desta edição do BBB, as cenas exibidas pela Rede Globo na TV aberta já vinham mostrando a repetição e o agravamento de uma postura agressiva e machista por parte de Marcos, marcada por gritos, ameaças e violência psicológica, atitudes que caracterizam claramente um relacionamento abusivo, enquadrados como crime na legislação vigente. As agressões não se limitaram à Emilly, parceira de Marcos no programa. Em outras ocasiões, o médico agrediu verbalmente outras participantes. Outras cenas também mostraram situações de violência contra a mulher envolvendo os demais integrantes da casa.
Tais episódios seriam motivos mais do que suficientes para que a emissora agisse e impedisse que a violência se naturalizasse naquele ambiente de confinamento. Mas não. Em vez de cumprir com a finalidade educativa de uma concessão pública de televisão, conforme dispõe a Constituição Federal, a Rede Globo, em busca de manter a audiência do programa e supostamente entreter os telespectadores com as brigas do casal, optou por aproveitar do sensacionalismo e das posturas inquestionavelmente abusadoras e agressivas do participante.
Mesmo alegando que alertava o casal sobre as agressões mútuas, a emissora permitiu que Emilly seguisse submetida a toda sorte de constrangimento, decorrente da exposição pública de sua imagem e da convivência com seu agressor. Marcos Harter não foi punido pela violência psicológica a que submeteu, dia após dia, sua colega de programa; só foi expulso do BBB depois que uma lesão física foi comprovada. Ou seja, além de transmitir uma ideia de permissividade diante de agressões – o que as legitima e perpetua –, este triste episódio faz crer que, para o Grupo Globo, a violência contra a mulher é tão somente circunscrita à violência física.
Necessário lembrar que não é a primeira vez que assistimos a casos de violência contra a mulher no Big Brother Brasil. Na edição veiculada em 2012, a Rede Mulher e Mídia chegou a enviar representação ao Ministério Público Federal pedindo a responsabilização da Rede Globo diante de um caso de violência sexual. Na ocasião, uma das participantes foi vítima de estupro presumido quando, embriagada e dormindo, teve a dignidade de seu corpo violada por outro participante.
Infelizmente, cinco anos depois, fica explícito que as condições a que os e as participantes do Big Brother Brasil são submetidas e as “regras do jogo” definidas pela Rede Globo estão longe de respeitar os princípios constitucionais previstos para o serviço de radiodifusão no país.
A agressão a que foi submetida Emilly diz respeito não só a ela, nem às demais participantes confinadas nessa edição do reality. Trata-se de mais uma agressão a todas nós, que assistimos, doloridas, à principal emissora de TV do Brasil explorar comercialmente uma situação que, cotidianamente, oprime, violenta e mata milhares de mulheres. Numa sociedade em que uma mulher é agredida a cada 5 minutos, aproveitar-se de uma situação de violência para acumular índices de audiência, até o ponto em que uma agressão física chega a ser praticada de fato, é, para nós, mais que omissão. É cumplicidade.
Sendo assim, uma vez mais, solicitamos que o Ministério Público Federal analise o caso em questão e, além das providências que a Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro já está tomando, envolvendo Emilly e Marcos, avalie a responsabilidade da Rede Globo em silenciar durante semanas sobre a violência praticada diante e transmitida por suas câmeras.
Rede Mulher e Mídia
Rio de Janeiro, 11 de abril de 2017.