Na última quinta-feira (14/12), a Federal Communications Commission (FCC, na sigla em inglês), agência reguladora das comunicações nos Estados Unidos, revogou as regras que protegiam a neutralidade de rede no país. A medida, tomada unicamente por cinco pessoas (3 votos X 2), reverteu o entendimento da rede como um “bem público” (common carrier), no qual os provedores são obrigados a tratar todos os dados de maneira igual. Foi revogada, assim a proibição dos provedores de acesso à Internet bloquearem conteúdo, sites e aplicativos, e abrandarem a velocidade ou acelerarem o acesso a serviços ou classes de serviço, cobrando dos usuários preços diferenciados por serviços on-line ou oferecendo vias mais rápidas para clientes que pagam diferentes valores aos provedores para circular conteúdos(ex. GoogleNetflixFacebook). Também ficou mais flexível a exigência de transparência sobre as práticas que violam a neutralidade. Isso significa que uma operadora nos EUA pode reduzir a velocidade de um determinado serviço de video ou música, bloquear o conteúdo de uma plataforma específica sem apresentar justificativas claras e sem necessariamente comunicar o usuário sobre essa prática.

A nova regra, entretanto, pode ser alterada pelo Congresso americano, onde há parlamentares que, apesar de republicanos, defendem a neutralidade. Pesquisa de opinião produzida pela Universidade de Maryland em dezembro mostrou que, por amostragem, 75% dos republicanos são a favor das regras de neutralidade de rede.

A mudança nas regras nos Estados Unidos levantou preocupações sobre os possíveis efeitos dessa decisão em países como o Brasil. Ela abriria um precedente para alteração nas normas brasileiras, com um alinhamento dos provedores norte-americanos às operadoras de telecomunicações no Brasil, que passariam a exercer o mesmo tipo de pressão sobre a Anatel.

O SindiTelebrasil, sindicato nacional que representa as teles, publicou nota à imprensa dizendo que defende a neutralidade de rede, mas apoia a flexibilização das regras de gerenciamento de tráfego para adequação à Internet das Coisas. Para as empresas, é hora de uma “neutralidade inteligente”. Diante dessas afirmações, é possível que as operadoras continuem, como já têm feito nos últimos anos, a investir esforços contra o princípio da neutralidade de rede no Brasil. Foi exatamente assim que elas atuaram durante os cinco anos de amplo debate público sobre o Marco Civil da Internet.

Mas as operadoras perderam essa disputa, quando a neutralidade foi consagrada em lei. Isso significa que, diferentemente dos Estados Unidos, aqui nós temos uma legislação que protege a neutralidade da rede: o Marco Civil da Internet (Lei no 12.965/14), em seu artigo 9, e o Decreto 8.771, que o regulamentou. No Brasil, não é possível reduzir a velocidade, nem oferecer um pacote de acesso com apenas uma parte dos conteúdos da Internet. Qualquer tipo de degradação ou discriminação deve ser descrito e suas motivações e efeitos para a experiência do usuário devidamente explicitados.

No Brasil, também, não cabe à agência reguladora – ou seja, à Anatel – alterar essas regras. Na opinião do próprio presidente do órgão, Juarez Quadros, não cabe à Anatel discutir a questão, pois os parâmetros de regulação são definidos pelo Marco Civil da Internet. Além da legislação, vale lembrar que o país conta com uma estrutura de governança institucional e multiparticipativa da Internet, o CGI.br, que deve ser defendido e respeitado em suas atribuições.

Ou seja, se as operadoras de telecomunicações no Brasil quiserem eliminar o princípio de equidade sustentado pela regra da neutralidade de rede, em um movimento que tem sido duramente criticado nos EUA, vai ser necessário convencer deputados e senadores a mudarem uma lei que passou por vários processos de consulta pública e que hoje é reconhecida mundialmente por seu avanço em termos de direitos no meio digital – em especial por proteger empresas, produtores de conteúdo, desenvolvedores e usuários contra o poder e o monopólio sobre a infraestrutura exercido por um pequeno número de operadoras de telecomunicações. Existem, portanto, poucos indícios de que a regra da neutralidade seja alterada no Brasil.

Logo após a decisão da FCC, o senador Aloysio Nunes (PSDB/SP), atual ministro das Relações Exteriores, publicou em seu Twitter que “a revogação da neutralidade da rede nos Estados Unidos fere um de seus princípios mais importantes: a liberdade de conexão. Ainda bem que no Brasil o Marco Civil da Internet nos protege de medidas dessa natureza!”. No mesmo sentido, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) afirmou que “a lei no Brasil está em vigor e não há nenhuma movimentação para mudanças. O Marco Civil é uma conquista da sociedade brasileira e somos contra mudanças nessa legislação. Evoluções da tecnologia podem levar a mudanças na lei e aprimoramentos, mas não é esse o caso”.

Como argumentado por diferentes especialistas, o desafio brasileiro é outro: de cumprimento e efetiva implementação das regras de neutralidade de rede garantidas pelo Marco Civil e pelo Decreto 8.771/2016, em especial as que impedem práticas de zero-rating e as medidas de transparência sobre motivos de gerenciamento de tráfego ou degradação, com indicação clara nos contratos firmados com usuários finais e a divulgação de informações referentes às práticas de gerenciamento, em linguagem de fácil compreensão, em sítios eletrônicos.

A Coalizão Direitos na Rede defende a neutralidade de rede na Internet, que é parte dos Princípios para Uso e Governança da Internet no Brasil do CGI.br e que se encontra consagrada na legislação brasileira. Sabemos que uma decisão tomada em um país como os EUA reforça os argumentos daqueles setores que, aqui, atacam a Internet como um direito de todos e todas. Mas aqui não! Temos o Marco Civil da Internet e o momento não é de mais retrocessos. É de avançar na igualdade no acesso à Internet e na garantia dos nossos direitos na rede.

Brasil, 18 de dezembro de 2017