Procurador da República defende ação do Ministério das Comunicações para regular conteúdo na TV
Por Intervozes em
Na avaliação de Sergio Suiama, o governo federal é omisso diante de violações de direitos humanos praticadas pela mídia. Para ele, como poder concessor, responsável pela gestão das outorgas, o Ministério das Comunicações deveria agir para garantir o direito à comunicação, previsto na Constituição Federal. A declaração foi feita durante o evento de comemoração dos 5 anos do caso “Direitos de Resposta”, em São Paulo.
Em tempos de muito debate sobre os limites da regulação do conteúdo veiculado nos meios de comunicação de massa, vem do Ministério Público Federal (MPF) um posicionamento significativo para aqueles que defendem um papel ativo do Estado brasileiro na responsabilização dos concessionários de rádio e TV que violam direitos humanos em sua programação. Para o procurador federal da República, Sergio Suiama, o Ministério das Comunicações, apesar de ter prerrogativa, é omisso em relação à regulação do conteúdo. A declaração foi feita na última sexta-feira (12/11), durante o evento de comemoração do aniversário do caso “Direitos de Resposta”, em São Paulo.
Há exatos 5 anos, uma ação civil pública, assinada pelo procurador Suiama e mais seis organizações da sociedade civil, obteve um direito de resposta contra a Rede TV! e o programa Tarde Quente, do apresentador João Kléber, num resultado inédito na Justiça brasileira. Durante 30 dias, a emissora foi obrigada a exibir um direito de resposta coletivo dos grupos ofendidos pela programação. O evento que celebrou o aniversário do episódio, considerado uma vitória para aqueles que reivindicam melhorias na programação na TV aberta brasileira, contou com um debate sobre liberdade de expressão e controle social da mídia, com a presença do membro do MPF.
Na avaliação de Sergio Suiama, iniciativas como o “Direitos de Resposta” devem ser replicadas e o Poder Judiciário deve ser mais provocado, sobretudo com casos de flagrante violação de direitos. “No entanto, o direito de resposta não pode ser a regra para conter este tipo de abuso. O Poder Judiciário sequer tem estrutura para atender a este tipo de demanda se as denúncias se efetivarem. Por isso é preciso buscar maneiras de efetivar o direito à comunicação, previsto na Constituição Federal, como um todo”, explicou Suiama.
O procurador criticou a apatia do Ministério das Comunicações, que deveria agir para garantir o pluralismo interno de ideias dentro das emissoras. “Na medida em que há uma denúncia de violação, há um papel do poder concessor de fazer cumprir o que diz a Constituição Federal. O direito à comunicação não é a liberdade de expressão de cinco emissoras. É o direito a uma organização do setor que garanta este pluralismo. É uma efetiva competição de conteúdos e na propriedade dos meios”, afirmou Sergio Suiama, para quem o debate sobre a regulação de conteúdo no Brasil está atrasado cinco décadas. “Todas as vezes que falamos em regulação de conteúdo dizem que é censura. Mas este é o grande desafio: efetivar as garantias que estão na Constituição Federal”, acrescentou.
O Ministério Público Federal reconhece a dificuldade em regular o conteúdo e separar aquilo que de fato pode ser considerado violação daquilo que é exercício da liberdade de expressão, sobretudo no caso de programas humorísticos – como aconteceu com a ação contra o programa de João Kleber. No caso em questão, foi feita uma análise do discurso televisivo, que amparou a ação, para mostrar que de fato havia ofensa e discriminação no conteúdo veiculado. Tal dificuldade, no entanto, não pode ser usada como argumento para que o país não busque uma resposta para essa questão e, assim, impeça a perpetuação de violações de direitos humanos na programação televisiva, acredita Suiama.
O debate, realizado na Casa das Rosas, afirmou ainda a importância da institucionalização de mecanismos e de políticas públicas para a promoção e garantia da liberdade de expressão para todos, reconhecendo as limitações ainda significativas do Poder Judiciário para lidar com esses casos. Em 2009, na I Conferência Nacional de Comunicação, poder público, empresários e sociedade civil aprovaram a criação de mecanismos para normatização e regulação dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação e sua responsabilização na perspectiva de evitar as práticas discriminatórias e a violação dos direitos humanos na mídia.
A sociedade ocupa a TV
Durante as comemorações dos 5 anos do caso “Direitos de Resposta”, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social lançou o livro “A sociedade ocupa a TV”, que resgata a memória do episódio da ação civil pública contra a Rede TV! Atendendo ao pedido do MPF e das organizações da sociedade civil, a Justiça Federal concedeu liminar exigindo a suspensão do programa Tarde Quente por 60 dias e a exibição de um direito de resposta. A Rede TV! descumpriu a ordem judicial e teve seu sinal cortado por 25 horas.
Pressionada principalmente por anunciantes, a emissora aceitou assinar um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal e as organizações da sociedade civil co-autoras da ação. Assim, financiou a produção e exibiu os 30 programas, além de pagar uma multa de R$ 400 mil para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos pelos danos causados à sociedade. O programa exibiu inúmeras produções independentes em torno da defesa dos direitos humanos. Na última sexta-feira, também foi lançado um kit com 15 DVDs trazendo a íntegra dos 30 programas exibidos à época na Rede TV!
Participaram da ação e da posterior direção do programa Direitos de Resposta as seguintes organizações: Intervozes; Centro de Direitos Humanos (CDH); Identidade – Grupo de Luta pela Diversidade Sexual; Ação Brotar Pela Cidadania e Diversidade Sexual (ABCDS); Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo; e Associação de Incentivo à Educação e Saúde de São Paulo (AIESSP).
Luta permanente
Na mesma semana em que o movimento que defende o direito à comunicação celebrou essa conquista histórica, a sociedade civil tomou mais uma iniciativa em prol da qualidade da programação televisiva. A pedido da Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados enviou um ofício à Procuradoria Federal Direitos do Cidadão solicitando que o MPF convoque a Rede Globo para assinar um termo de ajustamento de conduta para evitar violações de direitos humanos na próxima edição do Big Brother Brasil 11, que vai ao ar no próximo ano.
As manifestações de homofobia e discriminação racial e de gênero registradas nas edições anteriores do BBB fizeram com que o programa ficasse em primeiro lugar no “Ranking da Baixaria na TV”, organizado pela Campanha, com 227 denúncias de “desrespeito à dignidade humana, apelo sexual, exposição de pessoas ao ridículo e nudez”. Foi o mesmo ranking que motivou o procurador Sergio Suiama a mover a ação contra o programa Tarde Quente, de João Kleber, em 2005.
O documento, direcionado à procuradora federal dos Direitos do Cidadão Gilda Carvalho, sugere que a emissora se comprometa a transmitir o BBB em horário que haja menor exposição a crianças e adolescentes. “Centenas de reclamações de telespectadores sobre a exposição de nudez em afronta à legislação de proteção às crianças, vieram especialmente dos estados com fuso horário diferente do de Brasília”, explicou a deputada Iriny Lopes, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. No BBB10, a Justiça obrigou a TV Globo a prestar esclarecimentos à população sobre as formas de contágio do vírus HIV. A decisão judicial foi motivada pela veiculação de uma opinião homofóbica de um dos participantes, segundo o qual “homens héteros não contraem o vírus”.
Fonte: Bia Barbosa, do Observatório do Direito à Comunicação, em 18/11/2010.