Violações de Direitos na Mídia Brasileira – Guia de monitoramento – volume II (2015)
Neste segundo volume do Guia de monitoramento, são reunidos oito artigos de estudiosos, militantes e observadores em geral do campo da comunicação de massa, abarcando, notadamente, as perspectivas daqueles que se dedicam à reflexão sobre a sensível interface entre o direito à comunicação e à liberdade de expressão e os direitos humanos.
ARTIGO 1. No texto que abre a série, os programas “policialescos” são inseridos no contexto histórico brasileiro, expondo o processo de surgimento e consolidação do fenômeno ora sob análise. Entre os principais aspectos levantados está a pretensão original dessas produções, de atuarem como mediadoras entre o Estado e as classes menos favorecidas em termos socioeconômicos. A tendência de apreço da TV pelo grotesco, em nome do “gosto popular”; o esforço de legitimação do gênero como jornalismo; a reação do movimento social; as dificuldades de enfrentar o fenômeno; o protagonismo do Ministério Público; e a interdição do debate sobre a necessidade de regulação do campo midiático são outras perspectivas abordadas no artigo.
ARTIGO 2. No segundo texto do conjunto de reflexões, são retomados casos de violações de direitos em diferentes programas e emissoras de TV que se tornaram emblemáticos, com a recomposição de ações empreendidas para responsabilização dos infratores, capitaneadas pelo Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil – especialmente, o Intervozes. Além dos casos produzidos pelos programas Se Liga Bocão (Rede Record), Na Mira (SBT), Cidade Alerta (Record), Cidade 190 e Cidade Alerta CE, (Record), o autor evidencia a tendência de adesão ao fenômeno, por determinados setores da imprensa, com a adoção de padrões narrativos característicos dos “policialescos”, citando como exemplo o episódio protagonizado pela âncora do Jornal do SBT, Rachel Sheherazade.
ARTIGO 3. As lacunas na legislação que deveria harmonizar direitos na esfera midiá- tica é a temática geral do artigo, no qual são analisadas, entre outras questões relevantes, a escassez e a defasagem de normas especificamente voltadas para a comunicação de massa; e a falta de regulamentação de artigos constitucionais vinculados ao campo, como o 220 e o 221. No âmbito da busca de soluções, a articulista comenta a proposta de legislação para o setor da radiodifusão em geral, construída pela sociedade civil. Lançado em 2013, o Projeto de Lei da Comunicação Social Eletrônica é arguido como uma alternativa para fazer frente ao quadro de insuficiência dos mecanismos de regulação do vasto e complexo campo da comunicação midiática.
ARTIGO 4. Nesta dissertação, é analisado em detalhes o funcionamento da esfera político-administrativa responsável pelo acompanhamento e responsabilização do setor da radiodifusão frente às infrações cometidas – as atribuições dos órgãos fiscalizadores, as denúncias, a instauração dos processos, as contestações, o julgamento e a (rara) aplicação das sanções. Entre outras limitações do sistema de regulação estatal vigente, são apontados o uso restrito dos instrumentos legais, pelas instâncias de fiscalização; a insignificância das multas aplicadas; e a falta de transparência dos processos – o que aponta, em última instância, para a falta de vontade política de enfrentar o quadro de violações de direitos no campo midiático.
ARTIGO 5. No quinto artigo da série, são evidenciados os limites do sistema judiciário brasileiro no enfrentamento do fenômeno. A partir da recomposição de casos emblemáticos, a articulista expõe o modo como os esforços empreendidos por organizações da sociedade civil e pelo Ministério Público Federal para coibir as violações vêm sendo anulados, em função desta fragilidade. Além das dificuldades da Justiça, são expostos os riscos de retrocesso impostos por esta esfera ao sistema de Classificação Indicativa, que vem protegendo crianças contra excessos do setor do entretenimento. Em sentido inverso, são registrados os esforços do Ministério Público para que os programas “policialescos” sejam enquadrados nos critérios desta política pública – apartando-os, portanto, do campo jornalístico.
ARTIGO 6. Os diferentes sistemas de regulação de mídia em nações democráticas da Europa e das Américas compõem o tema abordado pela autora, que analisa, especificamente, os modelos adotados em cinco países: Argentina, Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido – seus marcos legais, a estrutura e o modo de funcionamento de suas agências ou órgãos reguladores. O estudo comparativo dos diferentes sistemas revela características comuns e determinantes – entre as quais, a independência das instâncias reguladoras em relação aos governos. Criadas por decretos ou leis e integradas à administração pública, dispõem de regime jurídico especial e contam, em geral, com orçamento e corpo funcional próprios, como revela a articulista.
ARTIGO 7. Neste artigo, são detalhados e analisados os sistemas de regulação de conteúdo de mídia do Reino Unido e da França: como atuam os entes reguladores; a política empregada para coibir as violações de direitos humanos nas produções do setor; as estratégias que permitem ação imediata frente a violações; e os mecanismos de sanção das empresas violadoras. Orientados pela legislação em vigor nas respectivas nações, os órgãos reguladores vêm coibindo, segundo a autora, o surgimento de programas de cunho “policialesco” – portanto, as violações de direitos no campo midiático. E a partir dessa experiências bem sucedidas, a especialista conclui que há “caminhos democráticos que podem servir de bons e inspiradores exemplos para o Brasil”.
ARTIGO 8. O penúltimo texto da série é dedicado à análise dos limites e possibilidades do sistema de autorregulação da mídia. Baseando-se em experiências e estudos de âmbitos nacional e internacional, os autores expõem a insuficiência da estratégia de automonitoramento do campo, pelas empresas de comunicação, evidenciando a importância da ação articulada entre as esferas privada e estatal. Entre outros aspectos, os articulistas recompõem o contexto do surgimento e da consolidação do conceito da autorregulação; descrevem e avaliam as ferramentas de autorregulação criadas pelos grupos de mídia no Brasil; expõem o abismo entre teoria e prática no setor; e, finalmente, tratam sobre a prática da corregulação, defendida por especialistas como a saída mais adequada ao equacionamento da questão.
ARTIGO 9. Finalizando o conjunto de reflexões, é demonstrada a estreita conexão entre a garantia de liberdade de expressão e a regulação do campo midiático. Para isso, as analistas deslocam o senso comum sobre o conceito de liberdade de expressão, chamando a atenção sobre sua natureza dual – ou seja, a prerrogativa tanto de emitir quanto de receber informações, ideias, opiniões.
É ainda evidenciado o potencial do setor da radiodifusão, de garantia desse direito, a partir do estabelecimento de princípios básicos para o seu funcionamento, como a diversidade e o pluralismo, contra os quais a concentração de propriedade e os oligopólios conspiram, impactando negativamente a qualidade dos conteúdos veiculados e, em última instância, no desenvolvimento da democracia. Como se pode inferir pela síntese aqui esboçada, o conjunto de artigos traça um rico panorama sobre o teor dos debates travados pela sociedade brasileira, à luz de experiências internacionais bem sucedidas, na perspectiva de enfrentar um fenômeno que vem violando direitos, notadamente, de populações vulneráveis, e afrontando a legislação do País.