Sikêra Jr. e Rede TV! condenados na Justiça Federal é um marco histórico, mas por que o apresentador segue no ar?

Por Mabel Dias*

A carreira do apresentador Sikera Jr. é marcada pela disseminação de discursos de ódio e desinformação contra a população LGBTQIAP+, mulheres e pessoas negras. Em janeiro de 2025, mais uma sentença da Justiça Federal, condenou Sikêra e a TV Ômega (Rede TV!) a pagar 300 mil reais por danos morais coletivos por atacar o público LGBTQIAP+ na emissora, uma concessão pública. A ação civil pública foi movida pelo grupo LGBT Pela Livre Expressão Sexual e a Defensoria da União, no Ministério Público Federal/RS, com as denúncias aceitas pela juíza federal Ingrid Schroder. Além do pagamento da indenização, a juíza também determinou que a emissora divulgue, durante o programa e no tempo que ele dedicou a proferir palavras de ódio contra os LGBTs, contéudo educativo e informativo. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social foi Amicus Curiae (Amigo da Corte) neste caso, sendo assessorados juridicamente pela advogada Nathálya Ananias, que acompanhou todo o processo, iniciado em 2021.

Na Paraíba, também há uma Ação Civil Pública contra Sikêra Jr. por discurso de ódio às mulheres e racismo. Inclusive, com pedido de prisão. Mas, até o momento, a justiça federal da Paraíba não proferiu a sentença sobre o caso, que também teve o processo iniciado em 2021. Em 2018, quando apresentava, em João Pessoa, o Cidade em Ação, policialesco da TV Arapuan, na época afiliada à Rede TV!, Sikêra foi alvo de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e de uma Ação Civil Pública, movidos pelo Ministério Público Federal/PB por emissão de discurso misógino e racista, na Arapuan.

Na época, os movimentos feminista e de mulheres da Paraíba realizaram uma manifestação em frente à sede da Arapuan. Após uma reunião no MPF, com diversas organizações que atuam em defesa dos direitos humanos, como OAB-PB, Secretaria de estado da Mulher e da Diversidade Humana e Defensoria Pública da União, a emissora se comprometeu a exibir VT’s e um programa educativo, além de entrevistas sobre os direitos humanos das mulheres. A secretária da Mulher e da Diversidade Humana da Paraíba, Lídia Moura, foi até o estúdio do Cidade em Ação para dialogar com o público sobre as violações dos direitos humanos que Sikêra protagonizava na Arapuan.

O apresentador foi para Manaus, e continuou a destilar sua discriminação contra as mulheres e os LGBTs, no programa policialesco que apresenta lá. Em uma de suas falas, divulgada no dia 18 de junho de 2021, disparou:“Já pensou em ter um filho viado e não poder matar?”. Como disse Toni Reis, presidente da Aliança LGBTI+, quando o entrevistei em 2021 para um especial do Intervozes do Relatório Diracom 2021, “Sikêra não matou ninguém, nem uma pessoa LGBTQIA+, mas, a partir do seu discurso, ele afia a faca para que os assassinos o façam.” Um dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), divulgado no dia 29 de janeiro deste ano, Dia da Visibilidade Trans, revelou que 122 pessoas trans e travestis foram mortas em 2024 no Brasil. A maioria jovem, negra e pobre.

Além do discurso de ódio do apresentador, conteúdo desinformativo também circula livremente nos programas que apresenta, como o Alerta Amazonas, antes Alerta Nacional, retirado do ar pela Rede TV!, em 2023. Durante a pandemia da Covid-19, em 2020, Sikêra divulgou teorias negacionistas sobre a vacina, incentivou sua audiência a tomar o “kit covid” (composto por remédios comprovadamente ineficazes contra doença), a não cumprirem o lockdown, ajudando a engrossar o número de mortos pela doença no país. Tais atitudes foram usadas para encobrir a inoperância do governo de Jair Bolsonaro na compra das vacinas, em não enviar oxigênio para a cidade de Manaus, onde mora Sikêra.

As pesquisadoras Karoline Fernandes e Nadir Presser, em seu artigo “Jornalismo policial e o bolsonarismo: a desinformação como estratégia de dominação simbólica na TV”, reconhecem que Sikêra Jr. e a Rede TV! estavam alinhadas ao bolsonarismo, e que o uso constante de desinformação era uma prática do apresentador. “O uso de mentiras são parte de um ataque coordenado e estratégico, planejado para esconder a verdade, confundir o público e criar controvérsias onde não existia”, afirmam as estudiosas.

O Intervozes, em seus 21 anos de atuação, sempre pautou a luta no combate aos programas policialescos com campanhas, materiais educativos, cursos, artigos, incidência política junto ao MPF e outros órgãos que atuam na defesa dos direitos humanos. O Coletivo entende que estes programas violam direitos humanos, as leis brasileiras que regem a comunicação, como o Código Brasileiro de Telecomunicações, o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, tratados internacionais assinados pelo Brasil, dentre outros. Os motivos para que estes programas não sejam mais exibidos na TV aberta brasileira são inúmeros. E estamos cansadas de repeti-los.

Infelizmente, apresentadores como Sikêra Jr. se multiplicam em emissoras de rádio e TV, e também nas plataformas digitais, com sensacionalismo, estímulo à violência, discursos de ódio contra grupos vulnerabilizados, desinformação e violação dos direitos humanos. Apoiados pelos concessionários destes bens públicos – que visam apenas o lucro -, estes apresentadores usam o discurso da liberdade de expressão para permanecer no ar, difundido violações.

Com todas estas denúncias e processos contra Sikêra Jr., é inacreditável que ele ainda seja contratado da TV A Crítica, no Amazonas. Apesar de todo este cenário caótico em relação as TVs comerciais no Brasil, que repito, são concessões públicas e não privadas, a decisão da juíza federal Ingrid Schroder é um marco histórico e importante para todas e todos que lutam por uma comunicação sem violação de direitos. O Intervozes seguirá vigilante, monitorando estes programas e, principalmente, ecoando o coro dos que pedem o fim dos programas policialescos.

**Mabel Dias é jornalista, associada Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional (editora Arribaçã).

Revisão: Ana Veloso