A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, recebeu nesta segunda-feira (10/06), na sede da Procuradoria Geral da República, em Brasília, uma representação assinada pelo Intervozes, Instituto Alana, ANDI e Artigo 19 pedindo providências contra órgãos do poder público que anunciam nos chamados programas policialescos. Caracterizados pelo forte apelo sensacionalista, tais programas são históricos violadores de direitos humanos, aproveitando-se da exposição indevida de vítimas e acusados para atrair audiência em todo o país.

As organizações autoras da representação monitoram há anos tais violações, cobrando das autoridades públicas a responsabilização das emissoras de rádio e televisão pela prática. A representação entregue à PFDC nesta segunda aborda o problema a partir de uma nova perspectiva: tenta chamar a atenção aos órgãos públicos que, anunciando nos programas policialescos, legitimam e garantem a sustentabilidade financeira dessas iniciativas.

O documento, que será analisado pelo Grupo de Trabalho em Comunicação da Procuradoria, está baseado num novo estudo, também lançado nesta segunda, sobre este tema. Conduzida pela ANDI e pelo Instituto Alana, com o apoio do Intervozes, a pesquisa “A publicidade como estratégia de financiamento dos programas policialescos” monitorou 20 programas, em 10 estados da federação, durante 3 semanas, e analisou em seguida as cotas de patrocínio, de merchandising e os anúncios veiculados nos intervalos comerciais.

O levantamento encontrou o apoio financeiro de instituições como Banco do Brasil e o BRB a diversos programas. Mas o campeão de anúncios, entre os entes públicos, foi o governo federal, com 104 publicidades no período (somente nos programas monitorados), seguido pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Saúde. Vários governos e legislativos estaduais e municipais também apoiam este tipo de programação, contrariando recomendação feita pelo Conselho Nacional de Direitos. Entre as empresas privadas, foram encontradas marcas como Carrefour, Casas Bahia, Chevrolet, Vivo e Drogaria Rosário, entre muitas outras.

“Não tenho dúvidas de que esses programas formaram o caldo social que permitiu consolidar a cultura da violência na atualidade. Nosso maior desafio agora é nos colocarmos contra isso, num momento em que o próprio Presidente da República adota o discurso da violência e a incorpora no plano de atuação institucional do governo”, afirmou a procuradora federal Deborah Duprat.

“A pesquisa e a representação mostram que as violações de direitos humanos não são episódicas nesses programas. Trata-se de um discurso de ódio televisivo, praticado num espaço de concessões públicas de radiodifusão. Precisamos acabar com essa barbárie e por isso vamos acionar os órgãos que permitem que ela siga em frente”, acrescentou Domingos Sávio Dresch da Silveira, do GT de Comunicação da PFDC.

Manifesto

Como parte do processo de mobilização e sensibilização social em torno do tema, as quatro organizações lançaram ainda um manifesto pelo fim do financiamento dos programas policialescos, que foi assinado por cerca de 50 entidades da sociedade civil. No texto, elas afirmam que acreditam que “o financiamento de violações sistemáticas a direitos fundamentais não faz parte dos valores dessas instituições. Deste modo, convocamos empresas públicas e privadas a reverem seus planos de publicidade, manifestando-nos pelo fim do financiamento de tais violações, especialmente dos direitos de crianças e adolescentes, prioridade absoluta em nosso país, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal”.

“Pedimos que tais empresas revisem suas práticas de financiamento de conteúdos que promovam a violação de direitos fundamentais imbricada neste gênero de programa e que estejam investidas em promover uma cultura de paz”, solicitam.

 

Manifesto pelo fim do financiamento de programas ‘policialescos’, históricos violadores de direitos humanos

Conhecidos do público brasileiro, os chamados programas ‘policialescos’, veiculados pelo rádio ou pela televisão, são quase exclusivamente dedicados a narrar violências e criminalidades de modo sensacionalista, espetacularizando casos de violência urbana, em formato pretensamente jornalístico, com forte apelo popular.

Ao se valer de sensacionalismo e violência, tais programas violam sistematicamente inúmeros direitos humanos, se aproveitam da exposição indevida da imagem de vítimas e acusados, da promoção do racismo, do machismo e da homofobia, além de legitimarem e estimularem violências institucionais, como a policial, para atrair audiência.

Em 2015, o  estudo ‘Violações de direitos na mídia brasileira’ acompanhou 28 programas do gênero durante 30 dias, em 10 estados brasileiros, e constatou mais de  4.500 violações de direitos, 8.232 infrações às leis brasileiras, 7.529 infrações a acordos internacionais e 1.962 desrespeitos a normas autorregulatórias nas matérias apresentadas.

Boa parte dessas infrações foi praticada contra adolescentes em conflito com a lei, que cotidianamente têm sua imagem exposta e ridicularizada por apresentadores dos policialescos. Para além de terem seus direitos violados pelo conteúdo veiculado  pelos programas, seja como acusados de cometer atos infracionais ou como vítimas de crimes, crianças e adolescentes também são desrespeitados enquanto telespectadores. Dados do Ibope apontam que as crianças brasileiras passam, em média, 5h35 horas por dia em frente à televisão. Assim, milhares têm recebido, todos os dias em suas casas, altas cargas de violência como algo natural.

Para além da ilegalidade desta prática, realizada por concessionárias de um serviço público, há que se considerar que, para que esses programas existam, é fundamental que haja alguma forma de custeio de sua produção. No atual modelo da radiodifusão brasileira, é a publicidade, de forma ampla, a principal responsável por financiar a programação de rádio e televisão no país. Assim, empresas, públicas ou privadas, que anunciam em programas policialescos são diretamente financiadoras da barbárie e, diga-se, corresponsáveis pelas violações transmitidas.

O recente estudo “A publicidade como estratégia de financiamento dos programas policialescos” revelou, por exemplo, que na categoria da publicidade estatal e da publicidade de empresas públicas ou de economia mista, inserções custeadas com recursos sob a tutela direta ou indireta do Poder Público Federal, há 104 publicidades do Poder Executivo Federal e 15 do Ministério Público Federal, totalizando 119 inserções. Ademais, no que diz respeito às cotas de patrocínio, a imensa maioria das veiculações são provenientes de empresas privadas, que respondem por mais de 90% da publicidade veiculada nesta modalidade, e 8,3% corresponde à publicidade de empresas públicas ou de economia mista. O setor privado é também o principal responsável pela publicidade veiculada por merchandising e por meio de peças publicitárias, respondendo por 67,2% das inserções, seguidos pelos anúncios da própria emissora do programa, responsáveis por 21,2% das inserções, e o Poder Público, responsável por 7,6% dos anúncios veiculados, sendo 5,7% diretamente publicidade estatal e os 2,1% restantes correspondentes a anúncios de empresas públicas ou de economia mista.

Acreditamos, no entanto, que o financiamento de violações sistemáticas a direitos fundamentais não faz parte dos valores dessas instituições. Deste modo, convocamos empresas públicas e privadas a reverem seus planos de publicidade, manifestando-nos pelo fim do financiamento de tais violações, especialmente dos direitos de crianças e adolescentes, prioridade absoluta em nosso país, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal.

Pedimos que tais empresas revisem suas práticas de financiamento de conteúdos que promovam a violação de direitos fundamentais imbricada neste gênero de programa e que estejam investidas em promover uma cultura de paz.

A medida vai ao encontro das recomendações já apresentadas em 2016 pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos aos Ministros de Estado, Governadores, Prefeitos e aos Dirigentes de Empresas Estatais, para que não veiculem “publicidade de órgãos públicos e empresas estatais em programas de cunho policialesco, seja como cota de patrocínio, seja nos intervalos comerciais ou por meio de merchandising” .

Por fim, aos movimentos e organizações da sociedade civil, fazemos um chamado a se somarem à campanha “Mídia Sem Violações de Direitos” , lançada com o objetivo de sensibilizar a população brasileira para este problema e de ser um canal de denúncias sobre as violações praticadas na programação da radiodifusão brasileira.
Assinam o manifesto:

ANDI – Comunicação e Direitos

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Artigo 19

Instituto Alana

Centro de Estudos Integrados, Infância, Adolescência e Saúde [CEIIAS]

Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem [CPPL]

Instituto da Infancia [IFAN]

Instituto Brasiliana

Instituto Avisa Lá Formação Continuada de Educadores

Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê

Instituto Liberta

Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador de Alagoas [Fetipat/AL]

Rede Estadual Primeira Infância de Alagoas

Movimento Interforuns de Educação Infantil do Brasil [MIEIB]

Movimento de Adolescentes e Crianças [MAC – Pernambuco]

Rede Nacional Primeira Infância [RNPI]

Instituto Girasol do Brasil

Avante Educação e Mobilização Social

Sociedade Brasileira Psicanálise de São Paulo [SBPSP]

Centro de Criação de Imagem Popular [CECIP]

Instituto Transviver

Plataforma de conteúdo e formação parental 4daddy

Midiativa – Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes

Instituto Noa

Amorimá Projetos de Impacto Positivo socioambiental

Instituto Viva Infância

Rede Justiça Criminal

Conselho Federal de Psicologia

Fundação Fé e Alegria do Brasil

Associação Internacional Maylê Sara Kalí – Brasil [AMSK]

Instituto Sou da Paz

Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares [Contag]

Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Federação Nacional dos Jornalistas [FENAJ]

Inspetoria São João Bosco Salesianos

Deputada Federal Luiza Erundina

Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero

Casa de Cultura CCIAO

Rede Não Bata, Eduque [RNBE]

Casa de Cultura Axé

Rede Conhecimento Social

Usina da Imaginação

Shine a Light

Movimento Contra a Redução da Maioridade Penal

União Marista do Brasil

Casa da Criança e do Adolescente

Coletivo Negrada

Fórum Juventude Sul Fluminense em Ação

Monitoramento Jovem de Políticas Públicas Brasil [MJPOP]

Visão Mundial