Ao lado de dezenas de organizações da sociedade civil, coletivo denunciou ao órgão matéria veiculada na TV Cidade, do Ceará
Mais de vinte organizações da sociedade civil, entre elas o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, enviaram representação ao Ministério das Comunicações (Minicom), ontem,  na qual denunciam a TV Cidade, emissora afiliada da Rede Record, pela exibição de cenas de estupro de uma criança de 9 anos, no programa policial Cidade 190. As entidades também cobram ações efetivas do ministério para que “cumpra de forma célere e eficaz com seu dever de fiscalizar o respeito às normas em vigor para a radiodifusão e impeça que novas violações de direitos humanos sigam sendo praticadas impunemente pela TV Cidade no Ceará.”.
 
A matéria, com mais de dezessete (17) minutos de duração, mostra repetidas vezes as imagens do estupro, captadas por uma câmera ligada no domicílio da criança no momento da agressão e cedidas pela família à emissora. O caso aconteceu no dia 22 de dezembro, mas os pais da garota só viram as imagens no dia 5 de janeiro e, então, encaminharam a gravação para a emissora, que explorou a cena, exibiu o endereço da víima e do agressor, entrevistou familiares e, ainda, incitou à violência, como comprova trecho da narrativa da repórter Iva Soares. Ao cobrar atuação das autoridades, ela diz: “para que a família não seja obrigada a fazer justiça com as próprias mãos”, como destaca a representação.
 
A expectativa das entidades é que o Departamento de Avaliação do Ministério das Comunicações analise o conteúdo veiculado pela emissora, que é concessionária de um serviço público, e que ela seja responsabilizada e penalizada pelo fato de ter violado direitos fundamentais e de não estar cumprindo a função educativa e cultural que é estabelecida para os meios de comunicação, na Constituição Federal. Ademais, “No capítulo V, sobre a Comunicação Social, a Constituição afirma que as liberdades de expressão e de informação devem respeitar outros direitos fundamentais previstos, como o direito à privacidade e à intimidade dos indivíduos.”, diz o texto enviado ao Minicom. 
 
Outras regras que foram desrespeitadas pela emissora cearense são citadas na representação, como o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), Lei nº 4.117/62, que determina que “a liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício” (Art.52), e o Decreto Presidencial 52.795/63, que regulamenta os serviços de radiodifusão, proíbe as concessionárias de “transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico” (Art.28, item 12), e deixa claro que os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural.
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente também é reclamado na representação, pois a lei estabelece que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem e da identidade. Diz ainda que quem “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente” pode acabar pagando multa ou cumprindo pena de  reclusão de três a seis anos. 
 
As entidades também destacam o fato de a TV Cidade já ter sido citada pelo Ministério Público Federal no Ceará em uma ação por violações de direitos humanos em seus programas, em 2003 e em 2005, quando o órgão provocou o Ministério da Justiça a determinar uma nova classificação etária dos programas policiais da emissora, após ter recebido diversas denúncias. Também em 2010, foi determinado que TV Cidade – junto com a TV Diário e a TV Jangadeiro – fornecesse ao MPF no Ceará cópias do programa Cidade 190, por “prática abusiva na exploração de imagens de violência, o que fere os direitos de cidadania”.
 
A representação foi assinada pelas seguintes organizações: Andi – Comunicação e Direitos Articulação; Psicanalistas e Psicólogos Iara Iavelberg (ARPIA); Associação Barraca da Amizade; Campo de Juventude Nacional Rompendo Amarras; Cáritas Brasileira Regional Ceará; Centro Acadêmico Livre de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (CALSS); Centro de Assessoria Jurídica Universitária da UFC (CAJU); Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca Ceará); Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos; Comitê Nacional de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes; Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará; Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA); Fórum Cearense de Mulheres; Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; Laboratório de Direitos Humanos Cidadania e Ética da Universidade Estadual do Ceará (Labvida); Mandato Cidade em Movimento (vereadora Toinha Rocha PSOL Ceará); Mandato Ecos da Cidade (vereador João Alfredo PSOL Ceará); ONG Instituto Janus; Rede ECPAT Brasil; Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular da UNIFOR Ceará (SAJU); Terre des Hommes Lausanne no Brasil.