Nesta quinta-feira (28) circularam nas redes sociais denúncias de trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação sobre episódios de censura em torno da cobertura jornalística referente ao aniversário do golpe que instaurou a ditadura civil-militar no Brasil que tem como marco o dia 1o de abril. Abaixo, trabalhadores da EBC, entidades de classe e organizações da sociedade civil se posicionam sobre o caso.

Nota da Comissão de Empregados e dos Sindicatos de Jornalistas e Radialistas do DF, RJ e SP

Com a proximidade do aniversário de 55 anos do golpe de 1964, que deu início a uma ditadura militar com 21 anos de duração, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) vem impedindo o uso das palavras “golpe” e “ditadura” para classificar esse episódio da história brasileira. A censura ocorre nas reportagens de TV, rádio e agências.

A cobertura que evidenciou a proibição teve início quando o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que os quartéis deveriam comemorar a data. Houve repercussão na sociedade civil, no Congresso Nacional e em outros espaços de poder. O Ministério Público Federal recomendou que os comandos militares desistissem da celebração, e a Defensoria Pública da União entrou com uma ação para impedir os planos comemorativos, entre outros fatos com claro valor de noticiabilidade – e amplamente divulgados pela imprensa em geral.

Nas reportagens e títulos que tratam sobre o assunto, o termo “ditadura” está sendo sistematicamente substituído por “regime militar”, a não ser quando as matérias trazem declarações do presidente para negar o fato: “para Bolsonaro, não houve ditadura no Brasil”. A palavra “golpe” é ainda mais escondida. No lugar de “aniversário do golpe”, se usa “comemoração de 31 de março de 1964”.

Há relatos, ainda, da não veiculação de reportagens sobre a ação da DPU e da recomendação do MPF (uma estratégia é a substituição da matéria por uma “nota”, para fingir equilíbrio, quando se sabe o valor de cada formato dentro de um jornal), da retirada, redução ou desvalorização de relatos de vítimas da ditadura e até mesmo de dados já amplamente divulgados sobre o número de mortos e desaparecidos no período.

Não se sabe se a orientação veio do governo ou se os gestores da EBC se adiantaram a um possível desconforto governamental e implantaram a censura prévia que, mais do que tentar agradar os governantes utilizando para isso a comunicação pública, tentam reescrever e amenizar os fatos históricos.

Como trabalhadores da comunicação, temos compromisso com o Estado democrático de direito, com a narrativa honesta dos fatos e com a pluralidade de vozes da sociedade. É danoso ao Brasil que as reportagens da EBC, distribuídas gratuitamente para o país e o mundo, tentem esconder ou minimizar os crimes contra a humanidade praticados no período da ditadura militar.

Nos 21 anos que se seguiram ao golpe de 1964, milhares de pessoas foram exiladas, torturadas, estupradas, demitidas, perseguidas, presas e censuradas pelo Estado, entre outros prejuízos à dignidade humana e coletiva. Jornalistas, artistas, professores, advogados, políticos, operários, líderes populares, indígenas, crianças e até mesmo militares das Forças Armadas estão entre as vítimas, que sofreram por não concordarem com a ditadura. É nosso dever lembrar e contar o que aconteceu neste país.

Para que nunca mais se repita. Inclusive a censura.

OBS: Para protestar contra essa situação, conclamamos os colegas a virem trabalhar de roupa preta na segunda-feira, dia 1o de abril.

 

Contra a censura na EBC: por memória, verdade e e justiça: em nome da memória, da verdade e da justiça

Entidades que compõem a Comissão Permanente de Comunicação e Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos repudiam a decisão da direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de proibir a utilização dos termos “golpe” e “ditadura” para falar daquilo que não há outras palavras para descrever: o golpe de 1964 e a ditadura civil-militar que a ele sucedeu e que impôs um regime de repressão durante 21 anos no Brasil. A decisão está afetando a edição das matérias realizadas pelos jornalistas da empresa pública, que estão tendo seus textos censurados por suas chefias.

Não se trata apenas de censura ou de cerceamento da liberdade de imprensa, mas de um crime contra a história e a memória brasileira. Não houve qualquer “revolução” no Brasil de 1964, como as Forças Armadas alegaram à época e como, agora, o atual governo de Jair Bolsonaro, que nunca escondeu seu desapreço pela democracia e sua admiração por criminosos torturadores, insiste em celebrar com as “comemorações devidas”.

Há palavras que não podem ser mudadas nem retiradas de seu contexto. O que houve no Brasil entre 1964 e 1985, e que de 1969 a 1974 atingiu seu período considerado mais sombrio — não por acaso conhecido como “anos de chumbo” — foi uma DITADURA, marcada por extrema censura, perseguição política, cassação de direitos civis, torturas — tanto em órgãos policiais oficiais quanto em centros de repressão clandestinos —, assassinatos, ocultações de cadáver. Mortes que permaneceram caladas pelo Estado brasileiro durante décadas, mesmo após a reabertura política e que, portanto, foram por ele consentidas.

Tão grave quanto é o ataque que essa determinação representa à comunicação pública, numa empresa, como a EBC, que já vem sendo, ao longo dos últimos quase três anos, desmantelada para que se torne mero veículo de comunicação governamental e perca seu verdadeiro caráter público.

GOLPE não se comemora; repudia-se. Assim como se repudiam todos aqueles que, passando por cima da história, tentam vilipendiar ainda mais nosso já combalido Estado Democrático de Direito. É nosso dever, em nome da verdade, da memória e da justiça.

Brasília, 28 de março de 2019.

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Intervozes

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Centro de Cultura Luiz Freire

Instituto Palavra Aberta
ANDI-Comunicação e Direitos