O PL 1202/07 é uma oportunidade para regular a prática do “lobby” no Brasil e, assim, estimular práticas mais transparentes e abertas no curso das decisões políticas. Entretanto, ele também acarreta riscos à atuação de inúmeras organizações e movimentos sociais. Sabe-se hoje que poucos e poderosos grupos construíram ao longo da história acesso privilegiado ao governo e ao Parlamento, em detrimento da participação de representantes de setores e grupos marginalizados, que encontram longo, árduo e por vezes inócuo caminho para se fazerem ouvir junto ao poder público. Seria desastroso se, a título de regular o “lobby”, se oficializasse o acesso oligopolizado ao poder público que ora se verifica.

 

O objetivo desta nota é, assim, o de estimular o aprimoramento do PL 1202/07 em direção a um marco regulatório que crie caminhos para uma interação mais republicana e democrática entre sociedade civil e governo.

 

A Lei de Acesso à Informação é um importante marco no aumento da transparência do governo; há, também, códigos de conduta de teor administrativo, a depender do órgão ou dependência pública. Isso, entretanto, nem supre, nem equivale a uma regulamentação clara da interação entre governo e representantes da sociedade. No mundo, 24 países já adotam algum tipo de regulação específica. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Transparência Internacional recomendam a regulamentação dessa prática segundo os princípios do acesso, da transparência e da ética.

 

Isso significa que um projeto de lei nesse sentido deve se preocupar em: a) ampliar o acesso ao poder público de setores e organizações sociais atualmente marginalizados nesse diálogo; b) abrir para escrutínio público os interesses das organizações e empresas que buscam influenciar o Estado e as práticas por elas adotadas ; c) criar canais que permitam uma aproximação entre sociedade civil, empresas, Executivo e Legislativo que sigam um padrão respeitoso à ética republicana.

 

Esses são, dessa maneira, os princípios que devem servir de critério para orientar a confecção do PL 1202/07. Atualmente, o projeto de lei segue a redação de dois substitutivos, um proposto na CCJC e outro em Plenário, ambos de autoria da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), por meio do qual se efetuaram mudanças significativas no projeto original. O texto atual tem méritos, se comparado à versão original. Em primeiro lugar, ele faz menção, em seu Artigo 2o, a princípios caros para a regulamentação do tema: legalidade, ética, transparência e garantia de acesso às dependências dos órgãos e autoridades públicas. Em segundo lugar, retira o excesso de obrigações relativas a cadastro e à prestação de contas, previstos nos artigo 5º e 7º do PL original, algo importante para que não se criem barreiras à participação de organizações com menos estrutura. Por fim, cabe destacar as supressões feitas no projeto de lei para evitar que se incorresse em inconstitucionalidades.

 

Entretanto, alguns pontos importantes para a contemplação dos princípios do acesso, da transparência e da ética ou foram retirados do projeto original ou não foram contemplados em nenhuma das versões. No atual substitutivo, apenas os artigos  9 e 10 fazem referência ao tipo de conduta que se espera de agentes públicos. Também é preocupante que no último substitutivo, no 2º parágrafo do art. 9, tenha-se explicitado que contribuições eleitorais não geram responsabilização no âmbito da regulação do “lobby”. É de conhecimento geral que o financiamento eleitoral é uma das formas mais disseminadas de obtenção de privilégios junto ao poder público. O tema requer, portanto, regulação mais zelosa.

 

Tampouco se encontra na atual redação do projeto de lei qualquer referência à necessária pluralidade e garantia efetiva do contraditório no curso das decisões políticas, incluindo a condenação e proibição do acesso restrito de poucos e privilegiados grupos ao processo decisório. Na redação original, apenas o parágrafo 1º do artigo 5º cumpria essa função. O desafio dos legisladores, neste momento, portanto, é fazer com que esses pontos sejam necessariamente contemplados, para que barreiras não sejam criadas à participação das OSC e para que que as obrigações de transparência trazidas na lei não sejam inócuas, fragilizando a regulamentação que se procura estabelecer.

 

Como se encontra, o projeto de lei apenas regulamenta uma profissão, sem regular de maneira mais consistente e clara os procedimentos legais e critérios éticos de interação entre representantes públicos e os das empresas e da sociedade civil. Esse objetivo, de particular relevância no momento conturbado vivido no país, não deve ser esquecido em benefício da mera regulamentação de uma atividade profissional. Nesse sentido, consideramos que os seguintes pontos não estão suficientemente contemplados:

 

1)      A transparência da interação entre o poder público e grupos com acesso historicamente privilegiado ao Estado.

2)      A garantia de acesso plural e aberto ao processo de formulação das decisões políticas.

3)      Maior clareza nos critérios de conduta ética entre representantes do poder público, das empresas e da sociedade civil.

 

Esperamos que a Câmara dos Deputados esteja aberta à experiência e ao ponto de vista das OSC, de modo a fazer valer já na tramitação do projeto os princípios que se propõem formalizar.

 

 

Brasília, 18 de Abril de 2018.

 

 

 

ACT Promoção da Saúde

ARTIGO 19

IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

INESC

IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Instituto Sou da Paz

Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Rede Justiça Criminal