A população brasileira tem, a partir de agora, um canal específico para denunciar violações de direitos praticadas nos chamados programas policialescos. Produzida pelo Intervozes, organização que atua pela efetivação do direito humano à comunicação, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, a Plataforma Mídia sem Violações de Direitos foi lançada no dia 14 de setembro (quarta-feira), às 9h30, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília. Por meio desse mecanismo, qualquer cidadão poderá fazer reclamações sobre possíveis abusos cometidos por emissoras de televisão. As denúncias serão analisadas por um grupo de monitoramento e, na sequência, gerarão o Ranking Nacional de Violações de Direitos Humanos na TV aberta.

A Plataforma é um instrumento da campanha homônima Mídia sem Violações de Direitos, também apresentada no evento. Tais iniciativas nasceram do projeto Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado pela Andi – Comunicação e Direitos, em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), o Intervozes e a Artigo 19. Uma de suas etapas consistiu na realização de monitoramento de 28 programas policialescos veicul ados pela televisão ou pelo rádio, por 30 dias, em dez capitais brasileiras. O estudo revelou a ocorrência de 4.500 violações de direitos e 15.761 infrações a leis brasileiras e a acordos multilaterais ratificados pelo Brasil.

A partir dos dados coletados pela Andi entre os dias 2 e 31 de março do ano passado, foi produzido o primeiro Ranking Nacional, o qual aponta o programa Cidade Alerta, da Record, como o que mais violou direitos no País, em 2015. O Cidade Alerta é exibido todos os dias, de segunda a sábado, e tem alcance nacional, já que é retransmitido via satélite para todas as unidades da Federação. Segundo estudo da Andi, considerando-se apenas a exibição da versão nacional do programa na Grande São Paulo e um de seus picos de audiência, de 11.4 pontos no IBOPE, a mensagem veiculada por ele atinge, simultaneamente, nada menos que 2,3 milhões de pessoas.

“Após verificarmos e dimensionarmos essa realidade, ficou nítida a necessidade de dar continuidade à análise desses programas, sensibilizar a sociedade para os graves impactos deles e pressionar para que os órgãos responsáveis pela fiscalização dos meios de comunicação e pela garantia de direitos atuem. Diante da ausência de campanhas oficiais que convidem a sociedade a avaliar os conteúdos midiáticos, surgiu, então, a ideia de usar a Internet para receber e encaminhar denúncias”, detalha a representante do Intervozes no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenadora da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos, Helena Martins.

A jornalista explica que, dada a centralidade da TV aberta no sistema de comunicação do País, optou-se por destacar, no mecanismo virtual, as violações praticadas em programas televisivos. A partir dele, poderão ser denunciados os seguintes tipos de violações: 1. Desrespeito à presunção de inocência; 2. Incitação ao crime, à violência e à desobediência às leis ou às decisões judiciais; 3. Exposição indevida de pessoas e famílias; 4. Discurso de ódio e preconceito; 5. Identificação de adolescente em conflito com a lei e 6. Violação do direito ao silêncio, tortura psicológica e tratamento degradante.

“Nós esperamos que, dando visibilidade ao tema e chamando a atenção da sociedade, das empresas e dos órgãos públicos, possamos ampliar o acesso à informação e contribuir para a redução progressiva das violações de direitos humanos”, destaca o texto de apresentação da Plataforma. A chamada Lista Suja do Trabalho Escravo, produzida pela organização Repórter Brasil, e a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, da SaferNet, são exemplos que mostram que o engajamento da população e a produção de denúncias contribuem para assegurar direitos, por meio da sensibilização da sociedade e dos órgãos de defesa.

O lançamento da Plataforma Mídia sem Violações de Direitos foi feito em parceria com a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (FRENTECOM). Participaram do lançamento as organizações Andi e Intervozes; o Procurador Regional da República e Coordenador do Grupo de Trabalho Comunicação Social do Ministério Público Federal, Domingos Dresch; a presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Ivana Farina; o presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Fábio Paes, e o deputado federal Jean Wyllys, coordenador da Frentecom.

CNDH aprova relatório sobre programa policialescos

Nesta sexta (16/09), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos também aprovou um relatório sobre violações de direitos em programas policialescos. O documento partiu de denúncia firmada pela ANDI – Comunicação e Direitos; Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e Artigo 19, por meio da qual foi informada a ocorrência de graves violações de direitos humanos e infrações a leis na mídia brasileira, especificamente, em programas de rádio e TV de cunho “policialesco”. Os denunciantes tiveram por base os resultados de amplo monitoramento de 28 desses programas, produzidos e transmitidos em 10 capitais das cinco regiões do País, em março de 2015, perfazendo um total de 1.928 narrativas analisadas.

Entre as recomendações apresentadas no relatório para garantir os direitos humanos, a apuração célere e eficaz das responsabilidades por abusos e violências e a reparação de danos, estão:

1. Aos Ministros de Estado, Governadores, Prefeitos e aos Dirigentes de Empresas Estatais
a. Que não seja veiculada a publicidade de órgãos públicos e empresas estatais em programas de cunho “policialesco”, seja como cota de patrocínio, seja nos intervalos comerciais ou por meio de merchandising.

2. Aos Dirigentes de Empresas Estatais
a. Que não sejam concedidos verbas, auxílios, patrocínios ou subvenções de qualquer espécie, ou sob qualquer pretexto, a empresas de comunicação que permitam a veiculação recorrente, em sua programação, de condutas, discursos, práticas ou situações contrárias aos direitos humanos e aos instrumentos legais e supralegais em vigor no país.

3. Ao Executivo Nacional, destacadamente, ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC)
a. Considerar, na atividade de fiscalização do conteúdo dos programas, para fim de aplicação de sanções administrativas cabíveis bem como de renovação de concessões, a aplicação de um conjunto de normas e tratados internacionais ratificados pelo Brasil em termos de respeito aos direitos humanos nos meios de comunicação;
b. Publicizar as sanções aplicadas às empresas de radiodifusão no sítio eletrônico oficial do órgão público;
c. Promover boas práticas entre as emissoras, estimulando nos telespectadores e ouvintes a visão crítica sobre o campo da comunicação de massa com o uso consciente dos seus conteúdos.

4. Ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) e ao Ministério da Educação e Cultura
a. Esclarecer a população brasileira sobre as formas possíveis de denunciar violações de direitos humanos em programas de rádio e TV, por meio de campanhas de comunicação e ferramentas permanentes de informação.

5. À Diretoria da Polícia Federal, à Diretoria da Polícia Rodoviária Federal, à Secretaria Nacional de Segurança Pública e às Secretarias Estaduais de Segurança Pública
a. Que proíbam as autoridades policiais civis e militares de expor indevidamente a imagem de suspeitos ou acusados que estejam sobre a proteção do Estado, em especial impedindo que comunicadores abordem as pessoas sob custódia, a título de entrevistá-las, salvo se estas consentirem e estiverem acompanhadas de advogado ou defensor público;
b. Que orientem as autoridades policiais civis e militares a informar às pessoas sob custódia sobre a possibilidade de recusar a exposição na mídia;
c. Que incluam nas formações dos agentes públicos conteúdos sobre direitos humanos e comunicação.

6. Ao Conselho Nacional de Justiça
a. Que seja recomendado aos órgãos do Poder Judiciário o julgamento prioritário de ações sobre violações de direitos humanos na mídia e aplicadas sanções administrativas e multas dissuasivas, de forma célere, dado o impacto negativo dessas violações em toda a sociedade.

7. Ao Conselho Nacional do Ministério Público
a. Que sejam recomendadas aos Ministérios Públicos a instauração de inquéritos civis públicos para analisar as denúncias nos dez (10) estados em que foram veiculados os programas de rádio e TV aqui referidos; a adoção de providências legais pertinentes à responsabilização das emissoras; e o ajuizamento de ações de reparação de danos morais coletivos, eventualmente ocorridos;
b. Que sugira aos órgãos estaduais a abertura de ações relativas à veiculação da publicidade de órgãos públicos e empresas estatais em programas de cunho “policialesco” sabidamente violadores de direitos, seja como cota de patrocínio, seja nos intervalos comerciais ou por meio de merchandising.

8. À Defensoria Pública da União e dos Estados e Distrital
a. Que sejam propostas ações judiciais, buscando a indenização pelo dano moral coletivo eventualmente ocorrido, para assegurar o direito de resposta pelos agravos e a indenização por danos individuais sofridos, nos casos relatados, bem como em outros casos de violações que venham a ocorrer.

9. Às empresas de comunicação (ABERT e ABRA)
a. Que respeitem os direitos humanos, cumpram a legislação vigente no país e promovam esses direitos e leis junto à sociedade, exercendo a responsabilidade social pertinente ao setor;
b. Que adotem e respeitem mecanismos de autorregulação transparentes, a fim de que os conteúdos veiculados pelas emissoras sejam avaliados permanentemente e corrigidos, se necessário, de modo que à população seja ofertada informação de qualidade, tendo como parâmetros norteadores básicos o respeito a direitos, às regras e instituições democráticas e à diversidade;
c. Que os comunicadores não abordem as pessoas sob custódia do Estado, a título de entrevistá-las, salvo se estas consentirem e estiverem acompanhadas de advogado ou defensor público;
d. Que promovam formações internas junto aos profissionais sobre direitos humanos.

A íntegra do relatório do CNDH está disponível aqui.