A ONG Artigo 19 e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social protocolaram no Ministério Público Federal representação contra a outorga de concessões de rádio e TV a parlamentares.

A ONG Artigo 19 e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social compareceram nesta terça-feira, 05/05, ao Ministério Público Federal para protocolar representação contra a outorga de concessões de rádio e TV a parlamentares. A perspectiva das entidades é que, a partir do documento, seja instaurada pelo MPF uma Ação Civil Pública que questione a propriedade de empresas de radiodifusão por deputados e senadores, o desrespeito à Constituição Federal e o conflito de interesses que cerca a questão.

A questão da posse de concessões públicas por parlamentares voltou a ficar em evidência no início do mês de abril, quando a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou recomendação que impede que parlamentares figurem como diretores, proprietários ou controladores de empresas que explorem serviços de radiodifusão. Acrescenta ainda que, verificada essa situação, a respectiva outorga ou renovação deva ser rejeitada.

O texto ainda será avaliado pelo plenário da Casa, portanto, os parâmetros atuais não devem mudar, já que cerca de 25% dos senadores são detentores de concessões. De qualquer forma, a denúncia publicada pela Folha de S. Paulo em fevereiro de que o presidente do Senado José Sarney, em grampo legal da Polícia Federal, afirmara utilizar a concessão de TV que detém em São Luís do Maranhão para atacar seu adversário político, o ex-governador Jackson Lago, escancarou a utilização de outorgas para fins políticos.

O artigo 54 da Constituição Federal declara explicitamente que deputados e senadores não podem, desde a expedição do diploma, “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” e, desde a posse, “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoas jurídicas de direito público, ou nela exercer função remunerada”. A realidade, como se sabe, é outra.

As implicações vão desde a utilização da outorga para fins políticos pessoais até o inevitável conflito de interesses explícito na necessidade de legislar sobre outorgas e renovações quando se é o próprio interessado na questão. Estudo recente do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília mostrou que cerca de 37% dos membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara e 47% dos titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado são proprietários de empresas de radiodifusão ou têm parentes nesta situação.

Postura do Ministério das Comunicações
A interpretação do Ministério das Comunicações para o texto constitucional também é um dos fatores a gerar indignação das entidades. Responsável pela fiscalização das outorgas, o órgão justifica-se relativizando o artigo 54. Em audiência pública realizada em abril de 2007, Marcelo Bechara, assessor jurídico do Ministério das Comunicações, saiu-se com essa. “Esse dispositivo constitucional proíbe que tenham contratos com empresas prestadoras de serviço público, e não que sejam proprietários. Diz que eles não podem ser proprietários de empresas que tenham favores do Poder Público. O serviço de radiodifusão não é um favor, é um serviço público constitucionalmente outorgado”.

João Brant, coordenador do Intervozes, afirma que a postura do Ministério das Comunicações se parece mais a de um advogado de defesa dos políticos concessionários. Para ele, uma interpretação simples da Constituição não deixa dúvidas sobre a restrição imposta aos parlamentares. “Ao contrário de defender essa inconstitucionalidade, o papel dele deveria ser zelar pelo interesse público e pela menor imbricação possível entre os poderes.” Além da explicação sui generis do Ministério das Comunicações, deputados e senadores também não podem ser proprietários de empresa que receba favor decorrente de contrato com empresa pública.

No documento apresentado ao MPF, Intervozes e Artigo 19 afirmam a inconstitucionalidade da prática e esperam que se questione judicialmente a interpretação do Ministério das Comunicações, que se tome providência com relação à fiscalização ineficiente do Ministério e que este se comprometa a aprimorar o sistema de informações ao público sobre a propriedade e gestão das emissoras de rádio e TV.
“Esperamos que essa representação ajude a fomentar o debate sobre a necessidade de enfrentar males como esse [outorgas ilegítimas a parlamentares] que impedem que a democracia brasileira se efetive plenamente”, completa Brant.