Rede minada: a pauta LGBTI+ e a instrumentalização da desinformação pela extrema-direita
Por comunicainter em
Pesquisa realizada pelo Intervozes e data_labe revela o uso político da violência contra a população LGBTQIAPN+, com consentimento das plataformas digitais
por Conexão G*
Desinformação, discurso de ódio e outras violências contra a população LGBTQIAPN+ geram engajamento nas redes sociais para políticos de extrema-direita, com a conivência das principais plataformas digitais – é o que aponta a pesquisa Explana 2.0. O projeto, realizado pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e o data_labe, consultou moradores do estado do Rio de Janeiro acerca da percepção desses ataques nas redes sociais.
De acordo com a pesquisa, 93% das pessoas participantes já tiveram contato com desinformação ou discurso de ódio contra pessoas LGBTQIAPN+, e, dessas, 55% declararam se sentir muito atingidas por essas violências. Em relação à origem dos ataques, as pessoas participantes indicaram que 37,1% foram de responsabilidade de pessoas desconhecidas, 35,4% de outras pessoas dos seus próprios territórios. A pesquisa constatou ainda que as páginas que mais compartilham ataques são de perfis políticos/candidatos (21,8%), seguido de mensagens de grupos ou de páginas de conteúdo (19,5%).
O estudo, que ouviu 172 pessoas LGBTQIAPN+ da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em cinco territórios diferentes, identificou os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Rodrigo Amorim (PL-RJ), além do vereador de Petrópolis, Octavio Sampaio (PL-RJ), como os principais propagadores desse tipo de conteúdo. Sendo Nikolas Ferreira apontado como central propagador, mencionado em todos os territórios. No período observado, durante julho e agosto de 2024, postagens de Nikolasque mencionavam a população LGBTQIAPN+ chegavam a quase 60 mil comentários.
Para a pesquisadora em gênero, Bruna Camilo, a misoginia,extrema-direita, desinformação e discurso de ódio estão relacionados. “Você constrói uma desinformação para conseguir alimentar um discurso de ódio, para esse discurso de ódio=alimentar a violência – a violência na prática, não somente a violência nos espaços digitais, mas também no espaço físico”, diz.
Para Dani Balbi (PCdoB), primeira mulher trans eleita para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2022, o discurso de ódio sempre esteve presente, mas se intensificou após ter sido eleita. ”Antes mesmo de ocupar um cargo eletivo, já era alvo por ser uma mulher trans, preta, comunista, que circula na universidade, na cultura e nos espaços de militância política. Após eleita, a violência se sofisticou: passou a ser também institucional, coordenada, com maior alcance e respaldo de setores conservadores organizados, inclusive dentro do Parlamento”, afirma a deputada
Plataformas são coniventes com a desinformação
O discurso de ódio e desinformação contra minorias ganhou mais um respaldo das plataformas, desde o anúncio das mudanças na política de moderação de conteúdo da Meta, feita pelo seu CEO Mark Zuckerberg em janeiro de 2025. Uma das alterações inclui a transferência do escritório da Califórnia para o Texas, nos Estados Unidos. Esse movimento também ocorreu na plataforma X (antigo Twitter), chefiada por Elon Musk. No estado do Texas, têm sido movidos projetos de lei que afetam diretamente a população LGBTQIAPN+, com redução de acesso a cuidados e definições estaduais do que seria homem ou mulher.
Em relação às mudanças na política de moderação de conteúdo da Meta, algumas delas são a substituição de checadores de fatos por um sistema de “notas comunitárias” e a redução dos filtros de moderação, priorizando apenas as violações consideradas “graves”, tais como terrorismo, exploração sexual infantil, drogas e fraudes. Além disso, passou a permitir alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual.
Para Dani Balbi, , as plataformas têm um papel central. “Elas se tornaram verdadeiros palanques para grupos que operam com base na desinformação, na violência simbólica e na desumanização dos nossos corpos. Isso não é apenas uma consequência do uso indiscriminado e desregulamentado da tecnologia, é resultado direto da forma como essas plataformas operam, com algoritmos que privilegiam o engajamento, mesmo quando ele é movido pelo ódio”, diz.
Em maio deste ano, a Meta, em parceria com a Google, participou de um evento com o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro e Nikolas Ferreira, em Fortaleza. Indicativo de qual o caminho que as plataformas pretendem aderir.
Para a pesquisadora Bruna Camilo, aumentou a sensação de violência contra a população LGBTQIAPN+, mulheres, população negra, indígena,em especial porque as plataformas atuam sem regulamentação. “A violência chega mais rápido, muitos grupos ainda conseguem se manter anônimos, então essa sensação de impunidade ainda é forte. Então acaba que o avanço das plataformas digitais dão essa sensação e, de fato, esse aumento da violência. A gente precisa pensar na regulação da internet, na punição das big techs, para que a gente comece a perceber uma ofensiva a essas pautas conservadoras, à extrema direita”, conclui.
* Fundado em 2006 na Nova Holanda por Gilmara Cunha, o Grupo Conexão G de Cidadania LGBTI de Favelas surge a partir da necessidade de acompanhar as violações de direitos e minimizar os preconceitos vividos pela a população LGBTI+ na Maré e em outras favelas do Rio de Janeiro.
**A pesquisa Explana 2.0 foi realizada a partir de uma parceria entre Intervozes e data_labe, sob coordenação de Isadora Lira e Paulo Mota. O projeto contou com recursos de emenda parlamentar do deputado David Miranda voltada para a “implementação e fortalecimento de ações para o enfrentamento à violência lgbtfóbica no Rio de Janeiro”.