A pesquisa Explana 2.0, realizada pelo Data_Labe em parceria com o Intervozes, expõe a face digital de uma violência que é cotidiana, persistente e muitas vezes invisibilizada: os discursos de ódio e a desinformação contra pessoas LGBTI+ nas redes sociais. O estudo escancara que Instagram, Facebook e X (antigo Twitter) concentram grande parte desses conteúdos violentos e, mais grave ainda, evidencia que esses ataques não partem apenas de perfis anônimos ou distantes, mas de figuras públicas, familiares e pessoas do convívio direto.

O levantamento foi realizado entre julho e agosto de 2024 e envolveu 172 pessoas LGBTI+ de cinco territórios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro: Maré, Ilha do Governador, Belford Roxo, Japeri e Petrópolis. A metodologia combinou questionários estruturados e grupos focais, buscando não apenas identificar a presença da violência digital, mas entender como ela opera e afeta a vida das pessoas em contextos de vulnerabilidade social.

Os dados são alarmantes: 93,9% das pessoas entrevistadas afirmaram já ter tido contato com discurso de ódio ou desinformação, sendo que 55% se declararam muito afetadas por esse tipo de conteúdo. A violência não é algo que se observa de longe — ela atravessa diretamente os corpos e as relações. Quase um terço das pessoas ouvidas, 31,8%, já sofreu ataques diretos, muitas vezes vindos de familiares ou pessoas próximas, o que evidencia o grau de penetração dessa cultura de ódio no cotidiano.

Esse tipo de violência não ocorre de forma isolada. A pesquisa revela uma divisão equilibrada na percepção sobre as plataformas mais problemáticas: Instagram (25,3%), Facebook (24,5%) e X (20,7%). Como analisa a cientista de dados Samantha Reis, responsável pela sistematização da pesquisa, esse equilíbrio é um alerta. Independentemente das regras de moderação que cada rede social adota, as violências contra a população LGBTI+ ocorrem de forma sistemática e constante, a despeito da empresa que as controla.

Outro dado preocupante diz respeito à impunidade: mais da metade dos participantes, 51,1%, acredita que não há consequências para os conteúdos violentos que circulam nas redes. Apenas 21,5% relataram que viram publicações ofensivas serem apagadas. Muitas vezes, esses ataques ganham ainda mais alcance por meio dos comentários, alimentados por algoritmos que favorecem a viralização do conteúdo mais inflamado.

O estudo aponta ainda que os principais emissores desses discursos de ódio são políticos eleitos ou candidatos (21,8%) e páginas de conteúdo ou grupos organizados (19,5%). Entre os nomes mais mencionados, destaca-se o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que aparece como figura central da propagação de discursos contra a população LGBTQIAPN+ em todos os territórios analisados. Suas postagens alcançaram até 60 mil comentários, revelando o impacto e o alcance dessas falas, muitas vezes travestidas de opinião política, mas profundamente violentas e discriminatórias.

Outro aspecto fundamental da pesquisa é o reconhecimento de que, para muitas pessoas LGBTI+, as redes sociais não são apenas espaços de lazer ou opinião. Elas são ferramentas essenciais para a expressão de identidade, articulação política, acesso à informação, à educação e ao trabalho. Em um país onde a população LGBTI+ ainda enfrenta exclusão institucional e marginalização, a conectividade digital pode ser uma forma de sobrevivência. No entanto, o ambiente que deveria garantir liberdade e segurança torna-se, muitas vezes, mais um campo de violência.

Nesse cenário, a violência digital deixa de ser apenas simbólica. Ela impacta a saúde mental, a segurança e a dignidade dessas pessoas, ampliando o risco de isolamento e sofrimento psíquico. E, quando os ataques vêm de familiares, como no relato de uma participante que viu o próprio pai compartilhar conteúdo homofóbico nos stories, o impacto é ainda mais devastador.

O Explana 2.0 é uma resposta da sociedade civil a uma lacuna deixada pelo Estado. Em um contexto em que se alega falta de dados sobre a violência contra pessoas LGBTI+, o estudo demonstra o contrário: os dados existem, o que falta é vontade política para reconhecê-los e enfrentá-los. O projeto foi financiado por meio de uma emenda parlamentar do ex-deputado David Miranda, falecido em 2023, e se soma a outras iniciativas de documentação e denúncia, como o Observatório de Violências LGBTI+ em Favelas, criado pelo Grupo Conexão G.

Ao sistematizar essas experiências, a pesquisa não apenas denuncia as violências sofridas, mas reivindica políticas públicas de proteção e garantia de direitos. Em um país onde a retórica do ódio encontra espaço crescente nas redes e na política institucional, iniciativas como essa são fundamentais para construir resistência, dar visibilidade às vivências LGBTI+ e garantir que essas histórias não sejam silenciadas.