Em audiência realizada junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no dia 6 de dezembro, na Cidade do Panamá, organizações brasileiras apresentaram denúncia contra o Estado brasileiro pela série de violações de direitos em curso no país. A audiência, solicitada por cerca de 20 entidades – entre elas, o Intervozes – apontou uma série de retrocessos enfrentados neste campo no Brasil e alertou a OEA para as consequências da eventual aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 55, em trâmite no Congresso. Este foi o primeiro período de audiências temáticas na Comissão depois da posse de Michel Temer.

Também foram alvo da denúncia o uso da lei de organizações criminosas para perseguir ativistas e movimentos sociais e a violência policial em manifestações, com destaque para a repressão ao protesto que aconteceu na Esplanada dos Ministérios no dia da votação em primeiro turno da PEC no Senado.

“Como já foi trazido inúmeras vezes a essa Comissão, o Brasil tem se revelado extremamente hostil ao direito de protesto. Infelizmente, no contexto de instabilidade política do país e de impopulares cortes em direitos sociais, o cenário de repressão e criminalização mantém-se o mesmo”, afirmou Camila Marques, da Artigo 19, que participou da audiência representando o conjunto de entidades brasileiras. “Os manifestantes foram recebidos com uma brutal repressão. Houve diversos feridos entre manifestantes e comunicadores presentes. Além de terem sido vítimas do emprego indiscriminado de armamento menos letal, os manifestantes também foram alvos de detenções arbitrárias”, relatou.

Camila também destacou a série de ocupações de prédios públicos protagonizadas por estudantes contra a aprovação da PEC 55, e que foram seguidas de ações “desproporcionais e abusivas” de forças policiais. Ela citou a decisão judicial da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal que, no dia 30 de outubro, autorizou policiais a empregar “métodos semelhantes à tortura” contra estudantes que ocupavam um centro de ensino. “Nessa decisão, o juiz autorizou que os policiais utilizassem instrumentos sonoros contínuos voltados a perturbar os estudantes, em flagrante desrespeito aos direitos relativos às crianças e adolescentes”, criticou.

O recrudescimento da violência do Estado brasileiro contra movimentos sociais também foi tema do pronunciamento de Patrick Mariano, da Renap (Rede Nacional de Advogados Populares), no Panamá. “A criminalização da luta social e do protesto tem crescido preocupantemente no Brasil, o que leva a questionar o real grau da nossa democracia. A brutal retirada de direitos que se arquiteta sorrateiramente no país pressupõe o sufocamento das liberdades individuais”, proferiu.

Lista de retrocessos

Além da PEC 55/16 e a criminalização de ativistas e movimentos sociais, a denúncia das entidades também destacou o “desmonte da estrutura” das políticas públicas de direitos humanos: a extinção dos ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres, da Juventude e dos Direitos Humanos e a interrupção de programas como o Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), o PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados) e o PPDDH (Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos) por meio de portaria assinada pelo Ministério da Justiça e Cidadania.

Para as entidades, tais iniciativas do governo federal “contrariam compromissos internacionais com a efetivação dos direitos humanos, cujos marcos normativos implicam, demandam e recomendam a construção de uma estrutura institucional para a sua implementação”.

Outro tema da audiência foram as medidas tomadas pelo governo federal para enfraquecer a EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Entre elas, a Medida Provisória que extinguiu o Conselho Curador da empresa, até então era formado em sua maioria por representantes da sociedade civil, e cuja prerrogativa era o de proteger os princípios da comunicação pública definidos em lei. “A EBC se firmou como um importante mecanismo de contraposição ao cenário de concentração nos meios de comunicação e propiciava uma programação mais aberta e diversa. Por isso, é muito preocupante que nos últimos meses esteja ocorrendo um verdadeiro desmonte da empresa em detrimento de todo o caráter público da comunicação brasileira”, disse Camila Marques.

Comissionados

Os comissionados da CIDH presentes à audiência endossaram a denúncia apresentada pelas organizações brasileiras. Sobre os efeitos negativos causados pela PEC 55, o comissionado James Cavallaro lembrou do princípio de “não retrocesso” com o qual os países americanos devem se comprometer.

“Eu entendo que a PEC 55 coloca um teto nas despesas gerais na medida da inflação. Sendo que, em 20 anos, a previsão é que a população do Brasil seja o dobro da atual, a minha pergunta é direta e simples: como isso não representa uma violação do princípio de ‘não retrocesso’ e de alocação progressiva de recursos?”

Já a comissionada Margaret May Macallay apontou as violações ao direito de protesto cometidas no Brasil como um elemento preocupante.  “Quando estive no Brasil, fiz um trabalho junto ao relator especial para a Liberdade de Expressão [da OEA], em que ouvimos vários testemunhos e assistimos a alguns vídeos. O relator demonstrou grande preocupação com o aumento da repressão ao direito de protesto de estudantes, mulheres, comunidade LGBT, entre outros”.

Um comunicado de imprensa publicado na quarta-feira (7) sobre o período de audiências sintetizou as críticas feitas pelos comissionados. No documento, a CIDH reitera sua preocupação sobre os impactos que a aprovação da PEC poderia ter no “gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais”, e lembra ao Estado brasileiro de seu dever de não retroceder nesse campo.

Informações: Artigo 19