Em documento enviado à Plataforma, o Conselho cobra transparência sobre moderação de conteúdos que denunciavam a brutalidade da chacina do Jacarezinho e de caso de racismo no Leblon

Por meio da Comissão Permanente de Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) enviou, em julho último, pedido de informações acerca de análises e procedimentos da empresa com relação a retirada de conteúdos publicados por usuários do Instagram sobre: I) denúncia sobre a chacina do Jacarezinho (operação policial em favela carioca que resultou na morte de 29 pessoas em maio de 2021) e II) caso de racismo envolvendo jovens brancos no Leblon, também Rio de Janeiro.

Num dos casos reunidos no pedido de informações, o humorista e apresentador Paulo Vieira teve uma postagem sua retirada do Instagram com a alegação de que iria de encontro às diretrizes da comunidade. O texto gerado pela plataforma detalha: “Removemos sua publicação porque vai contra nossas Diretrizes da Comunidade sobre discurso de ódio ou símbolos. Mesmo que a sua intenção não tenha sido ofender, nossas diretrizes incentivam as pessoas a se expressar de maneiras que sejam respeitosas para todos”. O post tratava-se de uma ilustração de um ônibus com o letreiro “Jacarezinho” crivado de balas em repúdio à violência policial que resultou na morte de 29 pessoas.

Na mesma semana, segundo o documento expedido pelo CNDH, diversas páginas de políticos e outros perfis proliferaram conteúdos com teor racista e de disseminação de ódio contra vítimas da chacina e a população moradora do Jacarezinho. Em explícito desacordo com as normas legais e infralegais sobre a dignidade humana, alguns perfis publicaram fotos da ação policial com a hashtag #FaxinaDoJacarezinho Exemplo disso foram as postagens do Deputado Federal do Paraná (PSD) e policial militar reformado Sargento Fahur e da ex-presidenta do PSL Mulher Juciane Cunha. Esta última chegou a publicar vídeo comprovadamente falso em que relaciona mãe de vítima da chacina ao tráfico de drogas. No mesmo dia policial rodoviário federal, Fabiano Oliveira também endossou a hashtag #FaxinaDoJacarezinho em foto publicada no Instagram, com farda e arma. Todas estas postagens, reproduzidas abaixo, seguem disponíveis para amplo acesso na plataforma.

Em mais uma publicação do seu perfil no Instagram, Juciane que tem 3.144 seguidores, publica vídeo em que uma mulher, suposta mãe de vítima da chacina, aparece dando entrevista para o jornal televisivo RJTV denunciando a ação violenta da polícia e, noutro trecho, visivelmente editado, a mesma aparece segurando um fuzil e dançando. Tal postagem foi reproduzida de outro perfil de usuária do Instagram, da vereadora Soraia Fernandes (Republicanos – SP). O conteúdo foi checado pela agência Aos Fatos e classificado como falso em 10 de maio de 2021. No entanto, ainda hoje, 4 de agosto de 2021, a publicação segue disponível no perfil de Juciane. Tais exemplos, de flagrante incitação ao crime, à violência com intuito de desinformar e difama, contrastam com a rapidez na retirada de outros conteúdos supostamente em desconformidade com as políticas da Plataforma.

Moderação ou racismo algorítmico?

Outro episódio descrito no pedido de informações ocorreu no dia 13 de junho deste ano em torno de mais um caso de racismo que ganhou repercussão nacional. Tudo aconteceu quando Matheus Ribeiro ter sido acusado por um casal branco, Mariana Spinelli e Tomás Oliveira, de furtar uma bicicleta elétrica. A vítima gravou com o celular a abordagem em frente ao shopping Leblon e os acusou de racismo, o que iniciou investigação policial. O vídeo foi publicado em primeira mão pelo perfil Notícia Preta no dia seguinte ao ocorrido, 13 de junho. Após isso, foi republicado em vários outros perfis no Instagram e Twitter e ganhou visibilidade nacional indo parar nos principais jornais do país. 24 horas após a postagem, porém, a publicação foi retirada da página do Notícia Preta na rede social. Em vídeo, a editora do portal, Thais Bernardes, lamenta e denuncia o ocorrido. “Noticiamos domingo a noite e menos de 24 horas depois, quando a mídia tradicional e outros portais publicaram, eles (referindo-se ao Instagram) apagam justamente o nosso”, desabafa a editora ao informar que a postagem original chegou a alcançar mais de 100 mil seguidores e engajar com mais de 5 mil comentários. Ela questiona o motivo de o vídeo ter sido retirado e reposta o conteúdo.

Infelizmente, denúncias desse tipo não são comuns. No sábado, 24 de julho, quando milhares de brasileiros foram às ruas reivindicar a queda do presidente Jair Bolsonaro e exigir vacinação em massa e renda emergencial básica, manifestantes atearam fogo e derrubaram a estátua de Borba Gato, conhecido escravagista brasileiro. A imagem de uma das figuras símbolo do racismo no país pegando fogo foi compartilhada por portais de notícias e ativistas mundo afora. No dia 27 de julho, a deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL-SP) denunciou em postagem no Instagram que a Rede Social havia retirado a postagem na qual informava sobre o incêndio na estátua do bandeirante colonizador, instalada na Praça Augusto Tortorelo de Araújo, no bairro de Santo Amaro, na capital paulista. Segundo ela, o vídeo constava com inúmeras visualizações e comentários, e informava apenas sobre o ocorrido. Nada além disso. 

Na postagem, a deputada questiona a empresa e chama atenção para o que pode caracterizar censura. “Tenho percebido que muitas pessoas negras estão tendo seus conteúdos removidos pela plataforma e gostaria de entender: qual a explicação plausível para isso? Esse tipo de censura me preocupa, precisamos ficar de olho”, escreveu.

Em mais um episódio recente, a ativista Triscila Oliveira, criadora e administradora do perfil @afemme1, denuncia que teve o perfil desativado pela mesma plataforma. O perfil foi criado em 2015 e somava pouco mais de 200 mil seguidores com conteúdos que abordavam questões do feminismo antirracista e de direitos humanos. Segundo a ativista, a página tinha quase a mesma idade da rede social e contava com quase 11 mil postagens que buscavam denunciar e desconstruir o racismo e o patriarcado com uma linguagem simples e direta. Em postagem no seu perfil pessoal, a ativista questiona: “o que a desativação de uma conta como a minha diz sobre o Instagram?”.

No pedido de informações, com data de 14 de julho de 2021, o CNDH frisa que espera que a Plataforma mantenha a postura de abertura ao diálogo e estabelece 20 dias para o retorno. Até este momento, o órgão colegiado não recebeu resposta.