Seminário convocado pela CMS, Assembléia Popular, Campanha pela Ética na TV e Rede Paulista pela Democratização da Comunicação foi primeiro balanço público sobre as emissoras, cujas outorgas estão vencidas há mais de um ano

Em 5 de outubro de 2007, venciam as outorgas das “cabeças” de três das principais redes de TV do país: Globo, Record e Bandeirantes. Apenas um ano depois, o uso que estas três empresas fizeram dos 15 anos das concessões para geração de sinal de TV entregues a elas pela União pôde ser avaliado publicamente. Em seminário realizado na cidade de São Paulo, movimentos sociais, sindicatos e entidades ligadas à luta pelo direito à comunicação deixaram claro que a insuficiência de regras e a ausência de fiscalização abrem espaço para uma série de distorções no funcionamento das emissoras, que se distanciam claramente do interesse público.

O evento foi convocado pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), Campanha pela Ética na TV, Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura e Assembléia Popular como parte da programação da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação. Outros dois encontros semelhantes serão realizados em Brasília e no Rio de Janeiro, também dentro da Semana.

Foram convidados para o seminário os representantes das redes Globo, Record e Bandeirantes, cujas concessões na capital paulista venceram em 5 de outubro do ano passado, e do Ministério das Comunicações. Destes, apenas a Globo enviou seu representante. Também participou da mesa a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). A parlamentar presidiu a subcomissão da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) que reuniu em um relatório propostas de mudanças nos critérios e procedimentos na outorga e renovação de concessões de rádio e TV. O evento, realizado na Câmara Municipal, foi convocado também pelos vereadores Beto Custódio, Carlos Neder e Soninha Francine.

Na abertura das discussões, os três vereadores destacaram a importância do tema da comunicação tornar-se um debate local. “Aqui na Casa, discutem-se várias matérias que só podem ser decididas de fato em nível federal, o que significa que todas elas nos dizem respeito”, comentou Soninha. Neder lembrou que é preciso municipalizar algumas decisões no setor, como a questão das rádios comunitárias. Custódio destacou que a Câmara era o espaço ideal para que este balanço acontecesse e ressaltou a importância e o inusitado do evento. “Todo órgão que presta um serviço público deveria prestar contas à sociedade”, comentou.

O representante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social João Brant fez um apanhado das situações de irregularidades verificadas nos processos de concessão e renovação das outorgas. Ele sublinhou a omissão do Ministério das Comunicações nestes processos, afirmando inclusive que o órgão incorre em crime de prevaricação ao deixar de realizar tanto o trabalho de fiscalização como o de desembaraço dos processos. O exemplo mais gritante seria o recente anúncio de engavetamento de processos com mais de 10 anos de tramitação [saiba mais aqui].

Além do papel do ministério, Brant listou pontos da legislação que vem sendo ignorados pelas empresas de comunicação. Entre eles, os limites legais de propriedade, os percentuais para a veiculação de publicidade, a proibição de sublocação das concessões e, especialmente, os princípios constitucionais em relação ao conteúdo que deveria ser divulgado pelas concessionárias. Segundo o representante do Intervozes, é preciso trabalhar para que novas regras sejam criadas e que muitas das leis atuais sejam aperfeiçoadas para dar transparência ao setor, mas também não se pode perder de vista que a renovação das outorgas em questão pode ser uma oportunidade importante para mudanças imediatas.

“É importante já colocar nesses novos contratos o mínimo de produção independente e regional, previstos na Constituição, por exemplo”, disse Brant. “E também incluir a obrigação de instalação de mecanismos claros de diálogo entre sociedade e as emissoras, proibir o arrendamento, entre outras medidas.”

O representante da Rede Globo, Evandro Guimarães, apresentou o que seria um resumo do balanço enviado pela empresa aos deputados da CCTCI, quando o processo de renovação das emissoras próprias do grupo chegaram ao Congresso. Nele, destacou a qualidade da programação produzida pela Globo e apresentou dados de pesquisas encomendadas pela empresa que atestariam a aprovação da população em relação aos conteúdos ficcionais e jornalísticos.

Guimarães concordou que há problemas em relação aos procedimentos adotados pelos órgãos reguladores e a existência de situações irregulares. “A simples aplicação da lei daria melhoria substantiva a este quadro”, afirmou. Em seguida, entretanto, discordou que os processos de renovação se dêem de forma automática, como defendem as entidades que convocaram o seminário. “Estou aqui para falar da TV Globo SP, emissora que funciona há mais de 40 anos, justificar os últimos 15 anos e porque merece prestar esses serviço. Não achamos que a renovação se dá de forma automática, e sim meritória.”

A deputada Luiza Erundina destacou as dificuldades de fazer tramitar matérias que possam modificar substancialmente o quadro de descontrole no setor de comunicação e, mais especificamente, no de radiodifusão. “Como membros da CCTCI, eu e os colegas deputados temos que dar pareceres sobre outorgas e renovação que o Poder Executivo nos encaminha sem nenhum base concreta e objetiva que pudessem justificar um parecer favorável ou contrário, simplesmente porque a Câmara não dispõe de mecanismos fiscalizadores e de condição de examinar in loco o que se dá com milhares de emissoras de rádio e TV Brasil afora”, descreveu a deputada.

Em seguida, ela relatou que, em nove anos como membro da CCTCI, “somente há dois anos conseguimos trabalhar na redefinição do marco legal sobre as comunicações no Brasil”. A dificuldade para legislar neste setor é, segundo Erundina, uma das razões para que se reforce a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação.

A deputada faz referência ao trabalho da subcomissão que ela presidiu e cujo relatório ainda não foi aprovado. O texto traz mudanças substanciais na avaliação dos processos de outorga e concessões, mas encontra forte resistência para ser votado na comissão. Erundina pediu o apoio da sociedade civil para aprovar o relatório.

Destaque-se, ainda, que foi o relatório preliminar da subcomissão, já aprovado pela CCTCI, que abriu caminho para que algumas entidades solicitassem a realização de audiências públicas no Congresso sobre os processos de renovação das outorgas vencidas em 5 de outubro do ano passado. A CCTCI e também a Comissão de Legislação Participativa aprovaram requerimentos neste sentido. As audiências na Câmara devem ser marcadas em novembro.

Leia mais sobre o evento no Observatório do Direito à Comunicação.