Programa policialesco Cidade Alerta violou, mais uma vez, direitos humanos e normas que regem a radiodifusão brasileira

O Intervozes apresentou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC – MPF), nessa terça-feira (18/2), requerimento de providências legais para a responsabilização da TV Record por desrespeito e inadequação da emissora às normas vigentes para a radiodifusão brasileira e aos direitos humanos, em âmbito nacional e internacional, durante transmissão do programa Cidade Alerta nessa segunda-feira (17/2). A peça ser pode lida na íntegra neste link.

Enquanto entrevistava ao vivo Andreia, mãe da jovem Marcela que estava desaparecida desde o dia 8 deste mês, o apresentador Luiz Bacci, do programa Cidade Alerta, comunicou que sua filha havia sido assassinada pelo namorado em um crime de feminicídio. Isso pouco depois da mãe declarar ter esperanças de encontrar a filha viva.

A reação de Andreia (que chegou a desmaiar ao saber, em cadeia nacional, do ocorrido), foi transmitida pela emissora por cerca de 20 segundos. A transmissão só foi interrompida quando a mãe da vítima acordou do desmaio e começou a gritar.

O chamado “Caso Marcela”, sobre o desaparecimento da jovem, grávida, vinha sendo explorado pelo programa desde a terça-feira da semana anterior (11/2). O episódio ocorrido na segunda-feira foi a quarta abordagem do caso no Cidade Alerta.

A representação ao MPF ressalta que a TV Record, concessionária de um serviço público, fere a Constituição Federal em relação ao direito à privacidade, à imagem e à intimidade dos indivíduos, bem como os valores éticos e sociais da pessoa e da família. Lembra, também, que a Carta Magna veda a veiculação de conteúdos que violem os direitos humanos e façam apologia à violência. “No capítulo V, sobre a Comunicação Social, a Constituição afirma que as liberdades de expressão e de informação devem respeitar outros direitos fundamentais previstos na legislação em vigor”, destaca o requerimento.

Além disso, o documento aponta a previsão de responsabilização contida no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU em relação a abusos no exercício da liberdade de expressão. “Significa dizer, em síntese, que a liberdade de expressão deverá ser protegida sempre, mas poderá ser restringida e sancionada quando incorrer em abuso que cause uma violação a um outro direito humano”, pontua.

O documento evoca, ainda, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), que determina que “os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinados às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País” e que “a liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício”. Cita também o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, que incluiu entre as obrigações de concessionárias e permissionárias a de “não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

“O episódio aqui relatado vai, portanto, na contramão dos dispositivos que regulam a radiodifusão no Brasil e dos padrões internacionais que buscam assegurar a efetivação de tais direitos. Cabe destacar que o padrão de produção de conteúdo praticado pelos programas policialescos, especificamente o Cidade Alerta, atenta não só contra os diretamente envolvidos no ‘Caso Marcela’, mas a todos direta ou indiretamente impactados pela transmissão do programa”, finaliza o documento.

Mídia sem violações

Em 2015, o Intervozes lançou a campanha Mídia sem violações com o objetivo de receber denúncias de casos de violação de direitos na rádio e televisão brasileiras. À época, o programa Cidade Alerta já era campeão em violações e ocupava o primeiro lugar no Ranking de Violações de Direitos Humanos na TV Aberta.

A campanha surgiu como desdobramento do projeto Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado pela Andi em parceria com a PFDC, o Intervozes e a Artigo 19. O projeto acompanhou 28 programas policialescos durante 30 dias, em 10 estados brasileiros, totalizando cerca de duas mil narrativas com violações de direitos. O estudo, publicado em três partes, constatou mais de 4.500 violações de direitos de, pelo menos, 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais. Ao todo, foram encontradas 8.232 infrações às leis brasileiras, 7.529 infrações a acordos internacionais e 1.962 desrespeitos a normas autorregulatórias nas matérias apresentadas.