Esta semana, dezenas de organizações e movimentos populares – entre elas o Intervozes – lançaram nota pública questionando a decisão do Ministério Público Estadual de abrir um inquérito policial para averiguar a conduta do coronel Ben Hur Junqueira, comandante da Polícia Militar na operação policial do dia 13 de junho de 2013. Neste dia, centenas de pessoas foram presas para averiguação por portarem vinagre, levarem mochilas, câmeras ou simplesmente por se aproximarem do local da manifestação que pedia a redução do valor da tarifa do transporte público em São Paulo. Na avaliação dos movimentos, já há provas materiais suficientes para comprovar a conduta ilegal do coronel, o que permitiria a abertura de uma ação penal contra Junqueira, em vez de apenas um inquérito policial.

Segundo o documento, até hoje, nenhum policial foi responsabilizado por abusos cometidos contra manifestantes durante os protestos de junho, apesar das inúmeras arbitrariedades praticadas. “Por outro lado, as investigações, inquéritos policiais, e processos criminais contra os manifestantes são constantes e têm se intensificado”, diz a nota.

Para o Intervozes, a lógica do tratamento desequilibrado e a impunidade das autoridades policiais diante de fatos como este representam mais uma ameaça à liberdade de expressão dos manifestantes. “A diferença no empenho das investigações demonstra de forma clara de que lado está o sistema de justiça, acobertando as condutas arbitrárias e ilegais dos seus agentes com uma mão, e criminalizando as manifestações com outra”, afirma outro trecho da nota.

Confira abaixo a íntegra do documento.


INQUÉRITOS E INDICIADOS: A QUEM SERVE ESSE SISTEMA DE JUSTIÇA?


Em agosto de 2013, diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil apresentaram denúncia ao Ministério Público Estadual, pedindo a investigação da conduta do coronel Ben Hur Junqueira, comandante da Polícia Militar na operação policial do dia 13 de junho. Naquele dia, centenas de pessoas foram presas para averiguação por portarem vinagre, levarem mochilas, câmeras ou simplesmente por se aproximarem do local da manifestação que pedia a redução do valor da tarifa do transporte público em São Paulo.

O documento apresentado pedia ao Ministério Público o oferecimento de denúncia criminal contra o coronel diante das provas de ilegalidade cometidas pelo comandante da operação. Anexamos a ela um vídeo coletado pela Defensoria Pública de São Paulo, no qual Ben Hur admitiu claramente utilizar as prisões para averiguação, procedimento inconstitucional e flagrantemente utilizado para restringir o direito de protestar.

Passados mais de dez meses da data da manifestação, o Ministério Público Estadual confirmou a abertura de inquérito policial para investigar a conduta do coronel, uma resposta bastante tímida frente a brutal repressão policial que toda a cidade assistiu.

A denúncia formalizada pelas entidades no ano passado já continha suficientes provas materiais da conduta ilegal do coronel, como é o caso do vídeo gravado pela Defensoria Pública. Além dele, foram anexados dezenas de Boletins de Ocorrência que comprovam as prisões para averiguação.

Por isso, achamos lamentável que o Ministério Público não tenha proposto diretamente a abertura de ação penal contra o coronel. É importante, neste sentido, que haja pressão para que o inquérito apure os fatos verdadeiramente. Esperamos que não só o coronel, mas todos aqueles que orquestraram a repressão policial nesta data, sejam responsabilizados. 

Até hoje, nenhum policial foi responsabilizado por abusos cometidos contra manifestantes durante os protestos de junho de 2013, apesar das inúmeras arbitrariedades praticadas. Por outro lado, as investigações, inquéritos policiais, e processos criminais contra os manifestantes são constantes e têm se intensificado. O pedido da investigação de um policial de alta patente é apenas o início de uma sinalização de que não aceitaremos calados a criminalização dos movimentos sociais perpetrada pelo Estado. 

Não à toa, em outra denúncia feita em agosto de 2013, as mesmas organizações propuseram ao Ministério Público Federal que apurasse, entre outras coisas, quem foram os responsáveis, no governo de São Paulo, pela ordem de prender manifestantes para averiguação. Um procedimento administrativo foi aberto, mas pouca coisa andou até o momento.

Enquanto isso, o inquérito policial nº 1/2013 do DEIC, anunciado de maneira grandiosa pela Secretaria de Segurança Pública e pelo próprio Governador Geraldo Alckmin, investiga os manifestantes que vem sendo presos sem qualquer respaldo legal, intimando e ameaçando pessoas que simplesmente participam das manifestações. A diferença no empenho das investigações demonstra de forma clara de que lado está o sistema de justiça, acobertando as condutas arbitrárias e ilegais dos seus agentes com uma mão, e criminalizando as manifestações com outra, utilizando mecanismos repressivos cada vez mais sofisticados patrocinados por nossos governos.

Por fim, indispensável lembrar que esse aparato estatal de violência é o mesmo que há tempos, e com muito mais selvageria, vem vitimando nossa juventude nas periferias e promovendo o encarceramento em massa de pretos e pobres, deixando em seu caminho um rastro de Amarildos, Cláudias, Douglas e incontáveis outras vítimas anônimas. 


Assinam essa nota:

Movimento Passe Livre – SP
Mães de Maio
Sindicato dos Advogados de São Paulo
Marcha Mundial das Mulheres
Instituto Práxis
Conectas
Associação Cristãos pela Abolição da Tortura
Uneafro
Pastoral Carcerária
Intervozes
Rede 2 de Outubro
Rede Rua
Margens Clínicas
Frente de Esculacho Popular
Ouvidoria Geral da Defensoria Pública
Associação dos Servidores da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Instituto Paulista da Juventude
Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo
Coletivo Desentorpecendo a Razão