As entidades integrantes da Coalizão Direitos na Rede, um coletivo de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa dos direitos de uso da Internet e de proteção do Marco Civil da Internet, vêm se manifestar contrariamente à atuação do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional no que se refere à elaboração de um parecer sobre um anteprojeto de lei que se propõe a combater as chamadas “notícias falsas”.

O CCS, sob presidência de Murillo Aragão, tornou público que pretende analisar, nesta segunda-feira (5/3), o mérito de uma minuta de projeto de autoria desconhecida e que ainda não se encontra em trâmite no Congresso Nacional.

De acordo com uma versão não-oficial a qual a Coalizão teve acesso, o referido texto torna crime a atividade de produção e circulação de “notícias falsas” com o intuito de manipular a opinião pública. A minuta em questão também altera o Código Eleitoral (art. 354 da Lei 4.737/1965), ao prever como infração a criação e divulgação de notícia “que se sabe ser falsa” e que possa “distorcer, alterar ou corromper gravemente a verdade relacionada ao processo eleitoral”.

Além de propor alterações nos Códigos Penal e Eleitoral, o anteprojeto modifica ainda a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), adicionando um novo artigo na seção que trata de remoção de conteúdos e responsabilidade dos provedores de conexão e aplicações. A proposta vai no sentido de criar um novo mecanismo de remoção de conteúdos independentemente de ordem judicial.

De acordo com a referida proposta, conteúdos classificados como “fake news” devem ser removidos pelas plataformas em até 24 horas, contadas a partir do recebimento de mera notificação. Caso a remoção ou bloqueio do conteúdo não seja atendido no prazo estipulado, o ato implicaria na responsabilidade civil dos provedores de aplicação de Internet (e.g. Facebook, Twitter, YouTube, SnapChat, WhatsApp).

A ideia de remoção automática de conteúdo deve ser imediatamente repelida em qualquer projeto de lei deste porte. O crivo judicial, tal como previsto no Marco Civil, é fundamental para que a ponderação entre liberdade de expressão e danos à honra ocorra de forma equilibrada por autoridade judicial. Pensar o contrário é adotar postura autoritária, que pode criar um cenário de constante violação do direito fundamental da livre expressão e de comprometimento de direitos políticos e do direito à informação dos cidadãos/as, garantidos não somente pelo Marco Civil da Internet mas também pela Constituição Federal.

O anteprojeto em questão cria ainda distinções injustificadas e desproporcionais ao excluir de sua incidência não apenas aplicações de Internet com menos de 2 milhões de usuários mas também veículos de comunicação social. Assim, de acordo com o anteprojeto, apenas os conteúdos postados diretamente na Internet estariam excluídos do prévio exame judicial para serem removidos e, do contrário, implicarem em responsabilidade civil e criminal dos provedores.

A exceção criada no texto desconsidera, por exemplo, o histórico público e notório de propagação de informações inverídicas e manipuladas pelos veículos tradicionais de grande alcance, especialmente em períodos eleitorais.

Além dos graves problemas de mérito contidos no anteprojeto, que violam diversas garantias constitucionais e legais em defesa da liberdade de expressão e do ambiente político democrático, há um problema procedimental na conduta adotada pelo CCS quanto à análise do anteprojeto, que não pode ser ignorado neste caso.

De acordo com a lei nº 8.389 de 30 de dezembro de 1993, que institui o Conselho de Comunicação Social, o referido órgão não possui competência para propor minutas ou analisar, previamente, o mérito de futuros projetos de lei antes que eles sejam protocolados e tenham sua autoria conhecida. Cabe ao Conselho, de acordo com seu Regimento, a realização de estudos, pareceres, recomendações sobre temas da Comunicação Social de interesse das duas Casas. No entanto, a elaboração de pareceres a respeito de anteprojetos de Lei de autoria desconhecida e sem a devida comprovação de interesse do Congresso Nacional denota atuação fora da competência de atuação do órgão.

A Coalizão Direitos na Rede entende que as tratativas a respeito do tema “notícias falsas” devem reforçar a importância da preservação da liberdade de expressão ao invés de excluir a atuação do Poder Judiciário em situações que possam promover responsabilidade civil e criminal decorrentes de condutas dos cidadãos brasileiros.

Além do exposto, por ser o Marco Civil da Internet uma lei criada a partir de um amplo processo de participação social, qualquer alteração em seu texto e nas disposições em vigor deveria ser precedida de uma profunda discussão pública, sob o risco de representar um desrespeito às opiniões da sociedade levadas em conta durante sua elaboração e aos direitos para o uso da Internet. Vimos então, assim manifestar nossa discordância não só quanto ao mérito do anteprojeto de lei em questão, mas também quanto ao procedimento adotado para sua análise, no que diz respeito à competência do Conselho de Comunicação Social.

Pelo exposto, a Coalizão Direitos na Rede requer que a discussão sobre o anteprojeto de lei sobre “combate a fake news” seja retirada da pauta desta reunião do CCS, de modo a evitar que o Conselho extrapole suas atribuições legais, se abstendo de dar pareceres sobre minutas que não estejam tramitando oficialmente no Congresso Nacional.

Brasília, 05 de março de 2018.