Ao longo de 2016, pôde-se observar o grande impacto de a comunicação não ter alcançado, no Brasil, o patamar de direito humano fundamental. Em uma conjuntura de crise que atinge diversas dimensões da vida pública, os meios de comunicação tiveram papel central na construção da percepção da realidade, a partir de uma disputa de narratiavs e da proposição de sentidos em um contexto no qual brasileiras e brasileiros estavam imersos. O papel dos grupos de mídia hegemônicos no país, na condução ou pelo menos na consolidação do processo que levou ao impedimento da presidenta Dilma Rousseff, foi deveras reconhecido e discutido.

Enquanto a crise política se acirrava, o Brasil se preparava para receber os Jogos Olímpicos Rio 2016. Neste contexto, as violações de direitos humanos em geral e do direito à liberdade de expressão e manifestação, em particular, foram recorrentes. A cerimônia de abertura, transmitida em TV aberta pela única emissora oficial dos Jogos no Brasil – a Rede Globo – trouxe uma narrativa de diversidade cultural e coesão de classe. Enquanto cerca de 250 mil pessoas, segundo dados da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), foram removidas de suas casas pelas obras olímpicas, na cerimônia, samba e bossa nova, favela e asfalto se encontravam em festa. Ainda hoje, o valor investido pelo Grupo Globo para arrematar a exclusividade nas transmissões não foi divulgado.

Com o fim dos Jogos, a crise política atingia seu ápice. No segundo semestre, o andamento das investigações da Operação Lava Jato e o anúncio do governo de instituir uma reforma previdenciária e a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição 55 elevou a ebulição das forças sociais à máxima potência. Neste contexto de acirramento, o direito à comunicação virou novamente instrumento de barganha do Executivo na busca por garantir mínima estabilidade política. É exemplo disso o fato de um dos primeiros atos do governo de Michel Temer, ainda interino, ter sido a demissão do diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Consolidado o golpe, Temer editou a Medida Provisória 744, que modifica a lei que criou a EBC, extinguindo o Conselho Curador da empresa, espaço participativo criado para garan – tir o cumprimento dos princípios da comunicação pública. O plenário da Câmara aprovou a medida em 14/12/2016.

Ao mesmo tempo, com um discurso de austeridade, Temer acabou com o Ministério das Comunicações integrando a pasta ao que viria a ser o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. No âmbito do legislativo, atendendo ao poderoso lobby das empresas de telefonia, algumas iniciativas apontaram para uma maior flexibilização do regime público de prestação de serviço de acesso à telefonia e internet e para a renúncia, por parte do Estado, de 17 bilhões em bens reversíveis. Após ser enviado para sanção de Temer, o projeto de Lei 79/2016, que modifica a Lei Geral de Telecomunicações nos termos colocados acima, foi objeto de liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro de 2017, retornando ao Senado para análise de recursos.

Além disso, em comissões da Câmara e do Senado, tramitam projetos que avançam na contramão da garantia da privacidade dos/as internautas e da neutralidade de rede, princípios basilares do Marco Civil da Internet.

No campo da radiodifusão, à concentração de mercado se soma o avanço de grupos econômicos ligados a entidades religiosas. Através da posse direta de canais e/ou por meio de práticas questionáveis de arrendamento ou transferência das outorgas, grupos religiosos poderosos têm ocupado a radiodifusão para a conversão de fiéis e para a propagação de mensagens ideológicas condizentes com seus interesses culturais, políticos e econômicos. Ainda nesse âmbito, a posse de políticos em mandatos eletivos de canais de rádio e televisão também não mostra sinais de fraqueza, pelo contrário. No Congresso nacional essa lógica de apropriação também segue expressiva. Hoje, 40 parlamentares são alvo de ação no Supremo Tribunal Federal por, a despeito do artigo 54 da Constituição Federal, serem concessionários de serviços de radiodifusão.

Neste cenário em que os meios de comunicação consolidam-se como atores centrais nas definições dos rumos políticos do país, as políticas públicas na área tornam-se alvo de disputas entre empresas, sociedade civil e o Estado no âmbito Legislativo, Judiciário e Executivo. Em geral, o interesse público segue sendo ignorado a despeito dos interesses de lucro e/ou de capital político de grupos econômicos que compreendem a comunicação tão somente como um negócio.

As reportagens reunidas neste relatório foram publicadas ao longo de 2016 no Observatório do direito à Comunicação e buscam apresentar um panorama dos principais fatos que marcaram o ano no campo do direito à comunicação. Esperamos que o material apresente pistas para organizar a resistência aos retrocessos que se apresentam.

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