Manifestação realizada na sede do Ministério Público Federal de São Paulo alerta sobre a urgência na tramitação da nova Lei de Direitos Autorais. Minuta de projeto de lei já está sob análise do governo e entidades cobram consulta pública.

Na semana passada, um ato em frente ao Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo e o lançamento do caderno“Direito Autoral em Debate” chamaram a atenção da sociedade e do governo para a reforma da Lei do Direito Autoral. Uma minuta de projeto de lei elaborada pelo Ministério da Cultura (MinC) foi construída por meio do Fórum Nacional de Direito Autoral e pela realização de cerca de oito seminários e mais de 80 reuniões com diversos setores sociais, está sob análise do governo. A manifestação em São Paulo, organizada pela Rede pela Reforma da Lei de Direito Autoral, tem como objetivo envolver a sociedade no debate e alertar sobre a urgência da Consulta Pública, que deveria ter sido lançada ainda no ano passado.

Atualmente, os direitos autorais são regidos pela Lei 9.610/1998. De acordo com essa norma não é permitida a exibição de filmes em salas de aula sem a prévia autorização do autor e nem a cópia de um CD para um MP3 para uso próprio, por exemplo. Também são considerados infratores, os bibliotecários que copiam um livro na íntegra, mesmo que visem apenas a conservação de uma obra antiga. “Nossa lei é uma das mais rígidas do mundo. Ela está extremamente desequilibrada do ponto de vista de quem consome obras protegidas”, afirmou o coordenador-geral de direitos autorais do MinC, Marcos Alves de Souza, responsável pela condução do projeto de lei em fase de análise, ementrevista ao Observatório dos Direitos a Comunicação.

Lei que restringe – Desde 2007, quando o Fórum Nacional de Direito Autoral foi instituído, cerca de 10 mil pessoas participaram direta ou indiretamente sugerindo alterações na lei atual. Dentre eles, não apenas consumidores, mas cantores, escritores e diversos artistas que acreditam que a legislação restringe o acesso ao conhecimento e à cultura. Entre os problemas apontados está o fato da fiscalização sobre a execução das músicas, por exemplo, ser feita por órgãos privados. Não há qualquer mecanismos de controle dos repasses financeiros para os artistas.

Além disso, o excesso de poder garantido aos agentes intermediários, como as gravadoras e editoras, também incomoda quem vive da própria produção. “A gente já foi multado pelo ECAD [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição] por colocar a disposição nossas próprias músicas. Quiseram proteger nossas obras de nós mesmos”, ironiza Gustavo Anitelli, membro do grupo Teatro Mágico.

Outro ponto sensível é a questão das fotocópias, parte do cotidiano universitário, em que a carga de leitura exigida é grande e nem todos os alunos têm condições de comprar todas as obras originais. Segundo Eleonora Rigotti, membro da União Nacional dos Estudantes (UNE), em São Paulo, de uns tempos para cá, houve, nas universidades, uma crescente criminalização de copiadoras e de centros acadêmicos que xerocam livros. “Agora muitas não fazem mais esse trabalho e estudantes que precisam não conseguem material para estudar. Na biblioteca não há exemplares para todos”, defende.

A reforma da lei traz também para discussão uma nova plataforma: a Internet. A Lei dos Direitos Autorais, de 1998, não considerou o mundo web. A digitalização de livros, a cópia de músicas para formato MP3 e a divulgação de obras com disponibilização do arquivo para baixar, práticas comuns hoje em dia, não estão previstos no documento e por vezes são considerados ilegais. “Ao contrário do que dizem, a disponibilização de conteúdo não prejudica o artista. No nosso caso, a divulgação se dá pela Internet. Assim, as pessoas, conhecem, escutam e vão nos nossos shows, compram nossos Cds”, diz Anitelli.

Pelas perspectivas de mudanças, artistas, consumidores, entidades civis estão esperançosos com a nova lei. No entanto, até agora o conteúdo exato não é conhecido. Sabe-se apenas quais são os principais objetivos: estímulo a proteção dos autores e suas criações; a promoção do equilíbrio de direitos entre todos os envolvidos; a democratização do acesso da população aos bens e serviços culturais; a adequação da legislação com o ambiente digital; e, a formulação de políticas públicas de regulação e defesa dos interesses da sociedade.

Rede pela reforma – Afim de apressar a liberação para consulta pública e o posterior encaminhamento ao Congresso, diversas entidades, dentre elas o Intervozes, o Instituto Paulo Freire, a UNE, a organização Música para Baixar e o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) formaram a Rede pela Reforma da Lei de Direito Autoral. O grupo já promoveu seminários e atos públicos e conseguiu apoio de artistas como o escritor Paulo Coelho, Paulo Lins (autor de Cidade de Deus), os músicos da Trupe Teatro Mágico e o cantor Leoni.

Segundo Guilherme Varella, advogado do IDEC, a rede, entre outros, defende dois pontos importantes: o primeiro seria a educação e o segundo derrubar o discurso de que cópia é crime. “Esse discurso incute uma ideia moral ao consumidor que é falsa e errada. Quem copia algo para uso próprio não é um criminoso. Isso não deve ser relacionado a trafico de drogas ou armas, como está sendo feito”, defende. Ele afirma ainda que rede visa levar o debate sobre direitos autorais para a sociedade, de uma forma ampla e cobrar do governo que o processo seja agilizado. O ato realizado na quarta-feira (26), foi uma dessas iniciativas e assim como a divulgação da cartilha “Direito Autoral em Debate”.

Em resposta a iniciativa, o secretário executivo do Ministério da Cultura, Alfredo Manevy disse em entrevista à Agência Estado: “A gente recebe essa cobrança como positiva” e, quanto a consulta pública da nova lei, que ela será aberta “muito, muito breve”. No entanto, ele não divulgou nenhuma data. Sem a divulgação, as ações ficam limitadas: “Para debatermos o projeto de lei, ele precisa vir a público”, diz Luiz Moncau, integrante do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS/ FGV), que também integra a rede.