Avaliar o cenário da desinformação no Brasil e apontar caminhos para lidar com a sua complexidade. Esses foram os principais objetivos da Audiência Pública “A influência das fake news na sociedade e na liberdade de imprensa”, realizada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado na última quinta-feira (4).

Representando o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), do qual o Intervozes faz parte, Marina Pita destacou que a desinformação, enquanto tentativa ativa de obtenção de vantagem com informação equivocada ou enviesada, não é algo novo, mas é preciso ressaltar que o ataque institucionalizado à liberdade de imprensa sob o argumento de fake news é algo perigoso para a democracia.

Existem diversos registros na história da imprensa brasileira que mostram o uso de informações fora de contexto, distorcidas ou inverídicas. A bolinha de papel atirada no então candidato à Presidência, José Serra (PSDB-SP), é um dos episódios mais conhecidos. A narrativa de que Serra havia sido atacado e poderia ter sofrido um “traumatismo craniano” foi abraçada pela grande mídia, inclusive com a divulgação de um suposto laudo médico, e desmentida posteriormente na internet. “A novidade, a partir da expansão das plataformas online, é que a escala muda e grupos segmentados são criados, de forma a criar nichos sociais. Aí a gente tem um alcance global que torna tudo mais difícil de controlar”, afirma Marina.

Emmanoel Colombié, da organização Repórteres Sem Fronteiras, explicou que o fenômeno das fake news está inserido em um sistema mais amplo de desinformação. “Essencialmente, a desinformação é a utilização de técnicas de comunicação e informação para induzir a erros ou dar uma falsa imagem da realidade mediante a supressão ou ocultação de informações, minimização da sua importância ou modificação do seu conteúdo. Para abordar o tema das notícias falsas, precisamos partir dessa leitura mais ampla”.

Compreender as transformações pelas quais passaram a Internet nas últimas décadas é um dos caminhos para entender como os sistemas de desinformação atuam. Criada com ênfase no compartilhamento de conhecimento, a Web hoje é sitiada por grandes corporações e o nível de concentração das plataformas acaba definindo os conteúdos que serão exibidos para milhões de usuários, afetando a forma como as informações são disseminadas.

Nesse sentido, é essencial que não se perca de vista o modelo de acesso à internet que vem sendo desenvolvido no Brasil, onde a conexão é feita, em grande parte, através de celulares e smartphones, especialmente entre as classes mais pobres, com franquia limitada de dados e preços longe de serem acessíveis. “O zero rating é um problema. Hoje as pessoas acessam à internet no celular com uma franquia limitadíssima e cara. Elas podem acessar o WhatsApp de graça, dentro de um modelo que somente algumas plataformas estão liberadas. Elas recebem uma informação e não têm condições de buscar outras fontes”, argumenta Marina.

Assista à audiência na íntegra.

Outro aspecto mencionado foi a coleta de dados pessoais pelas plataformas. Por meio dessa engrenagem é que são segmentados os nichos para os quais serão direcionadas determinadas informações e que vão alimentar os sistemas de desinformação. Para lidar com essa questão é fundamental que se tenha uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados independente, porém, com os vetos anunciados por Jair Bolsonaro na última segunda-feira (8), as garantias da lei ficaram ainda mais desidratadas.

A ampliação do acesso à internet foi apontado como crucial para o enfrentamento da desinformação no Brasil e vem sendo gravemente ameaçada pelo PLC 79/2016, que busca modificar a Lei Geral das Telecomunicações. Dentre outros retrocessos, o PLC retira a obrigação das empresas concessionárias de garantir as contrapartidas estabelecidas pelo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), como a implementação de redes em áreas de baixo ou nenhum interesse econômico e a conexão via banda larga em escolas. A Coalizão Direitos na Rede já divulgou uma carta aberta aos senadores sobre o assunto, disponível neste link.

Elaborar um instrumento de corregulação das plataformas digitais é outro caminho possível para lidar com o cenário de desinformação. “Precisamos pensar em um instrumento de corregulação, fazendo a diferenciação entre plataformas que usam conteúdos de terceiros e conteúdos editorializados, onde todos os conteúdos publicados são de responsabilidade delas. É preciso compreender a diferença entre os agentes online, ainda que eles concorram pelo recurso limitado da publicidade. Além disso, é preciso entender quais os instrumentos de uma regulação positiva de apoio a diferentes produções de conteúdo para garantir a pluralidade e a diversidade online”, concluiu Marina.

Presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a audiência também contou com a participação de representantes da Secretaria de Comunicação Social do Senado Federal, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).