O governo do estado de São Paulo anunciou, no início de abril, a criação de um aplicativo para ensino a distância aos estudantes das escolas públicas. A expectativa do governo paulista é de que as aulas online atinjam 3,5 milhões de estudantes do estado, depois de negociar com as empresas de telecomunicações a liberação do tráfego para o aplicativo na modalidade “acesso patrocinado” – em que quem paga não é o usuário, mas o proprietário do app.

Em 7 de abril, o Intervozes entrou com pedido de acesso à informação para conhecer os termos de tal acordo. Como as operadoras não dispõem de oferta pública para acesso patrocinado, é difícil dizer que não poderia haver discriminação na oferta para um governo estadual controlado pelo PSDB – que hoje ocupa a secretaria-executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – em relação aos demais governos, cujos partidos não poderiam ter incidência direta nos interesses das teles. Ninguém sabe quanto se está pagando para cada aluno acessar o serviço e como este cálculo é feito: se por tempo, se por acesso, etc. Vale lembrar que o MCTIC defendeu a posição das teles e negou o pedido do Intervozes e do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) para a manutenção da navegação dos usuários de Internet mesmo em caso de inadimplência, enquanto durar a epidemia.

O acesso patrocinado é polêmico, porque diferencia conteúdos e favorece determinados agentes com maior poder econômico, o que desvirtua o debate público e tem implicações consideráveis, no mínimo, no direito de acesso à informação. Uma parte das organizações que atuam em direitos digitais apontam que o acesso patrocinado fere a neutralidade de rede, um princípio para a disciplina do uso da Internet no Brasil estabelecido no Marco Civil da Internet, fundamental para a inovação, liberdade de expressão e acesso à informação.

O Intervozes vem defendendo a importância do acesso universal à Internet, toda ela, inclusive para a educação complementar em período de pandemia. É isso que vem sendo feito em vários países. Para garantia da navegação dos usuários de menor poder aquisitivo, em vez do acesso patrocinado, defende o fim da franquia de dados, uma prática de geração de escassez artificial escancarada quando operadoras no mundo todo abrem mão deste processo para garantir conexão. Há artigos de especialistas em tecnologia apontando que o processo de eliminação da franquia de dados no período de pandemia, nos EUA, pode significar o fim da aceitação pacífica do modelo, como se fosse uma exigência para a existência na banda larga.

Recomendações

Em meio ao cenário de pandemia e afastamento social, o Intervozes e a Plataforma Nacional pelo Direito à Educação produziram nota em que apontam os problemas de desigualdade no acesso à Internet e os riscos àproteção de dados relativamente à aprendizagem online, com orientações para políticas públicas que reduzam o peso das desigualdades. A primeira delas vai na contramão da iniciativa do governo paulista: que as aulas sejam suspensas e que as atividades online sejam realizadas apenas em caráter complementar.

Entre as demais recomendações (e além do fim da franquia de dados), estão o oferecimento de um plano contínuo de capacitação para utilização de recursos multimídia aos professores, incluindo o necessário para oferta de atividades complementares à distância; a instalação, por parte de governos municipais e estaduais, de infraestrutura para conexão à Internet nas periferias e áreas rurais, com sinal aberto; a oferta de equipamentos a crianças e jovens, de forma a evitar que o acesso a dispositivos eletrônicos não aprofunde desigualdades, e a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) em agosto, como previsto na Lei 13.853/2019, com a composição da diretoria da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.