Como enfrentar o poder das plataformas digitais? Essa foi a questão central do I Seminário Big Techs, Informação e Democracia, que aconteceu nos dias 5 e 6 de dezembro, na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), em São Paulo. Cerca de 70 representantes de entidades e movimentos sociais da Argentina, Brasil, Costa Rica, Canadá, França, México, Paraguai, Peru e Uruguai se reuniram para debater os desafios e elaborar propostas para o campo dos direitos digitais, com foco em uma perspectiva latino-americana sobre o tema. O seminário foi organizado pelo Intervozes, pela Coalizão Direitos na Rede e pelo Fórum sobre Informação & Democracia.

Na abertura, Olívia Bandeira, coordenadora executiva do Intervozes, contextualizou o evento no âmbito das ações que vêm sendo desenvolvidas na América Latina em torno da regulação das plataformas. Camille Grenier, do Fórum sobre Informação & Democracia; Daniela Medeiros, da Fecap; e Maria Mello, da Coalizão Direitos na Rede, reforçaram a importância da abordagem coletiva e transdisciplinar para enfrentar os desafios impostos pelo ambiente digital.

O primeiro dia foi marcado pelos debates em torno das experiências de regulação das plataformas, em especial sobre o Projeto de Lei 2630 e as perspectivas para o tema. Paulo Rená, da Coalizão Direitos na Rede, apresentou o histórico do projeto. Para ele, o Congresso e o Executivo deveriam tratar o tema da regulação das plataformas com prioridade e cautela, e não na lógica da pressão e da urgência como vem ocorrendo. Gustavo Gómez, do OBSERVACOM (Uruguai), destacou que o Brasil poderá servir de exemplo para a América Latina caso consiga aprovar uma legislação inteligente e adequada, a partir de uma posição propositiva e não defensiva.

Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), o ambiente de radicalização política que afeta a América Latina repercute no debate sobre a regulação das plataformas. “Nós precisamos nos situar sobre qual é o ambiente em que travamos as disputas e pensar nos objetivos alcançáveis”, afirmou o deputado. O secretário de Política Digitais da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom), João Brant, pontuou que o primeiro ano do governo Lula tem sido desafiador e a regulação das plataformas tem sido tratada com prioridade relativa. Ele reforçou que, apesar disso, o governo tem se debruçado sobre temas importantes, como educação midiática, desinformação e sustentabilidade e remuneração do jornalismo pelas plataformas.

Ramênia Vieira, coordenadora executiva do Intervozes, defendeu que é preciso cobrar mais transparência e responsabilidade das plataformas. “Nós precisamos que as plataformas sejam responsabilizadas. Elas precisam ter responsabilidade solidária nos casos em que conteúdos desinformativos, por exemplo, são impulsionados ou publicizados”, afirmou. A mediação da mesa ficou por conta de Nina Santos, da Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD).

Encerrando a manhã, a segunda mesa discutiu soberania tecnológica e a construção de alternativas autônomas para a difusão de informação online. Daniela Bello, da Rhizomática (México), abordou os caminhos que a organização vem trilhando no campo da autonomia tecnológica. Junto a comunidades amazônidas brasileiras, a Rhizomática está criando uma escola de redes comunitárias com o objetivo de formar replicadores nas áreas de telecomunicações e comunicação comunitária. Guillermo Mastrini, do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina, defendeu maior participação do Estado no desenvolvimento de tecnologias digitais. Para ele, a regulação das plataformas é necessária, mas não é suficiente e será necessário mais investimento público para fazer frente ao poder das plataformas.

Nikole Yanes apresentou os projetos de infraestrutura de redes alternativas criados pela Código Sur (Costa Rica), organização que representou no seminário. Além disso, Yanes ressaltou a importância da garantia da diversidade no enfrentamento aos monopólios digitais e da necessidade da luta dos direitos digitais estar cada vez mais atrelada aos desafios de justiça socioambiental. Rodolfo Avelino, do AqualtuneLab, reforçou que a contenção dos danos do poder das plataformas não será feita somente com regulação. Para ele, é preciso olhar para as práticas de colonialidade do poder que estão embutidas nessa relação e que naturaliza as assimetrias entre Norte e Sul Global. A mediação foi feita por Oona Castro, diretora do Instituto Nupef.

As duas mesas podem ser assistidas no canal do YouTube do Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede:

Regulação econômica e educação midiática

A apresentação de caminhos para a regulação econômica das plataformas digitais guiou as discussões da primeira mesa de quarta-feira (6). Ana Claudia Mielke, coordenadora executiva do Intervozes, defendeu uma regulação a partir do interesse público. Para ela, os pontos centrais seriam a formulação de uma regulação ex-ante, a garantia da interoperabilidade, a proibição da prática de zero rating e a expansão do entendimento sobre a propriedade cruzada, que vedaria a oferta de diferentes serviços ofertados por uma mesma plataforma dentro de um mesmo mercado.

Camille Granier, do Fórum sobre Informação & Democracia, mencionou a Declaração Internacional sobre Informação e Democracia, lançada em 2018. O documento apresenta princípios fundamentais para a garantia do pluralismo da informação na era digital e já conta com a assinatura de 52 países, incluindo o Brasil. Granier reforçou a necessidade de três níveis de regulação: a primeira camada seria em torno dos algoritmos, com impacto na curadoria de conteúdo; a segunda camada seria em relação à pluralidade de serviços; e a terceira seria referente à educação midiática dos usuários. Gabrielle Graça, da Artigo 19, reforçou que a regulação econômica e a regulação das plataformas, incluindo a moderação de conteúdo, são complementares e precisam ocorrer simultaneamente. Ela destacou ainda que a lei brasileira sobre concorrência é incompatível com a atuação econômica das plataformas e precisa ser revisitada.

Menno Cox, da União Europeia, apresentou os princípios gerais que regem o Digital Services Act (DSA) e o Digital Market Act (DMA), legislações editadas pelo Parlamento Europeu voltadas para a regulação das plataformas. Cox reforçou que o debate sobre regulação econômica das plataformas precisa levar em consideração a garantia dos direitos humanos. Para Helena Martins, da Coalizão Direitos na Rede, o debate sobre regulação econômica das plataformas explicita a necessidade de um olhar para a concentração para além da quantidade de agentes que operam determinado mercado. Ela pontou ainda que a desigualdade de acesso aos mecanismos de financeirização foi um dos responsáveis pelo crescimento e monopolização do mercado das plataformas. A mediação foi de Maricarmen Sequeira, do Tedic (Paraguai).

Encerrando a parte pública do seminário, a quarta mesa levantou questões em torno da educação midiática. Isabella Henriques, do Instituto Alana, trouxe a perspectiva das crianças e adolescentes. Para ela, a educação para a mídia não pode ser a única saída para as questões relativas ao ambiente digital no Brasil. É preciso olhar também para as responsabilidades das empresas e do Estado. Juliana Cintra, da Ação Educativa, reforçou que o debate sobre educação pressupõe compartilhamento e afeto. Cintra argumentou que educação para a mídia significa também compartilhar sobre a mídia. Dessa forma, assume-se uma posição de reapropriação e de reinvenção da comunicação. Ela defendeu ainda que para romper as barreiras à participação social é necessário promover a autogestão e reconhecer a elaboração realizada pelos territórios.

Kemly Camacho, da Cooperativa Sulá Batsú (Costa Rica), reforçou a importância de se fazer uma discussão com a participação central dos movimentos sociais e dos territórios. Para ela, mais do que aprender a usar determinada tecnologia ou ferramenta de comunicação é importante compreender o seu funcionamento. Compreender como as tecnologias afetam as pessoas e suas vivências está na base da educação popular e deveria estar na base da educação midiática, defendeu Camacho. Victor Pimenta, da Secom/PR, mencionou a dependência tecnológica que existe diante de plataformas estrangeiras e que mediam visões de mundo, sem que se tenha qualquer ingerência sobre isso. Pimenta abordou a Estratégia Brasileira de Educação Midiática, que vem sendo construída pela Secom a partir de consultas públicas. A primeira versão do documento já está disponível. A mediação ficou por conta de Victor Vicente, do Instituto Vero.

A transmissão do segundo dia pode ser assistida aqui:

Após a realização das mesas, os participantes do seminário se reuniram em grupos de trabalho para sistematizar propostas concretas para cada um dos temas debatidos. A sistematização será publicizada em breve.

O evento contou com apoio do Fórum sobre Informação & Democracia, da Luminate e da Fecap.