TJSP reconhece ainda que as big techs que atuam no Brasil devem se submeter à Constituição Federal

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rejeitou os embargos de declaração do Google e confirmou a condenação da empresa por censura prévia e violação à liberdade de expressão. Em ação movida pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a big tech foi condenada ainda a pagar uma indenização de R$ 50 mil por remover conteúdos publicados no YouTube, plataforma de sua propriedade. A decisão foi publicada no dia 14 de abril.

Ao rejeitar os embargos, o desembargador José Carlos Ferreira Alves enfatizou a decisão proferida anteriormente, em dezembro de 2020. “Independentemente da defesa do mecanismo utilizado pela requerida para coibir abusos na Internet, o fato é que quem deve impor remoção de conteúdo e portanto restringir/delimitar a liberdade de expressão para proteção de direitos é o Estado, através do Judiciário. Não cabe tal sopesamento de valores ao Google”.

No acórdão publicado, a Justiça concordou com o argumento apresentado pelo Intervozes de que empresas que atuam no Brasil têm o direito de definir suas regras de funcionamento, mas essas regras não podem contrariar o ordenamento jurídico do país. “É certo que o princípio da livre iniciativa, contido no art. 170, da Constituição Federal, reserva às empresas que atuam no Brasil o direito de definirem suas regras de funcionamento. Entretanto, essas regras não podem contrariar o ordenamento jurídico pátrio e muito menos garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição Federal, como se pode concluir pelos princípios expressos nos incisos do referido art. 170”.

Para a advogada responsável pelo caso e associada do Intervozes, Flávia Lefèvre, a decisão é histórica. “Esse é um precedente importante, pois o principal argumento das empresas de aplicações de internet para cometerem abusos no campo do gerenciamento de conteúdos e cancelamento de perfis tem sido o de que, com base no princípio constitucional da livre iniciativa relativo à exploração de atividade no país, devem ter liberdade para formularem suas regras de funcionamento. E nós temos sempre afirmado o que está na resposta aos Embargos de Declaração do Google e foi expressamente acolhido pela 2a. Câmara de Direito Privado do TJSP, de que essas regras não podem contrariar a Constituição Federal”, destacou.

Leia a decisão judicial na íntegra.

Entenda o caso

Os conteúdos foram removidos do canal de YouTube em 2018. Após as contestações serem negadas pelo Google, o Intervozes ajuizou a ação em abril de 2019. A série de vídeos em questão foi resultado de convênio com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, cujo objeto consistiu na “capacitação em Direitos Humanos de lideranças e comunicadores comunitários”.

A juíza de primeira instância extinguiu o processo sem julgamento do mérito, pois entendeu que a ação tratava de direito autoral e que, por isso, o Google seria parte ilegítima, sendo que a demanda deveria ser ajuizada contra as Organizações Globo e a TV Bandeirantes.

Entretanto, o mérito da ação do Intervozes é o questionamento da legalidade do mecanismo Content ID, diante da forma unilateral e arbitrária como vem sendo utilizado e ocorrendo em remoções no YouTube, o que motivou a interposição de recurso ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A apelação foi provida e o Desembargador Ferreira Alves, na 2ª. Câmara de Direito Privado, reconheceu que o mérito da ação é a análise da forma como a Google vem aplicando o Content ID, ao largo da legislação brasileira.

Após a decisão, publicada no dia 15 de dezembro de 2020, a empresa apresentou Embargos de Declaração, alegando que a remoção dos vídeos ocorreu de forma legítima. No último dia 14 de abril, os embargos foram rejeitados pela Justiça.